Jornal Correio Braziliense

Cidades

Após morte de professor, escola no Céu Azul carrega marcas de abandono

Colégio volta a funcionar 16 dias depois de crime. Cerca de 60 alunos mudaram de escola nesse período

Ruas esburacadas, comércios gradeados e o medo fazem parte da rotina dos estudantes que caminham até o Colégio Estadual Céu Azul, em Valparaíso (GO). Dentro da unidade de ensino, a situação não é diferente da realidade do município. Cadeiras quebradas, não há quadra de esporte e as portas dos banheiros sequer têm trancas. Na manhã desta quinta-feira (16/5), após 16 dias sem aulas em razão do assassinato do professor e coordenador Júlio César Barroso de Sousa, 41 anos, a escola voltou a funcionar.

A unidade estava de fachada nova, ganhou pintura e uma praça, batizada com o nome do professor morto. Estudantes e docentes, alguns ainda com parcelas do salário de dezembro atrasadas, recebem atendimento psicológico garantido pelo governo. O caso, no entanto, expôs a degradação da escola e impacto limitado das ações do governo local. Dois dias após o crime, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, esteve no colégio.

Apesar da ;maquiagem;, termo usado pelos alunos para descrever a reforma, ainda é possível encontrar rastros da violência no lugar. No banheiro dos meninos, há uma arma desenhada na parede. Nos arredores da escola, o clima é de medo. Passos apressados, pais segurando forte a mão dos filhos e olhares desconfiados. A unidade de ensino é vizinha à Feira do Céu Azul, um dos principais locais de encontros dos moradores aos domingos. Porém, durante a semana, o local se torna ponto de tráfico de drogas e assaltos são frequentes.

Ao Correio, alunos contaram que é comum traficantes entregarem drogas por cima dos muros, que é baixo, ou pelos buracos existentes ao longo da estrutura. ;Saio de casa todo dia de manhã e sinto medo. A primeira coisa que faço é colocar o celular no meu sutiã. Moro perto da escola, mas faço um desvio para não passar nas ruas mais perigosas;, desabafa uma estudante de 17 anos. A jovem relata que o Colégio Estadual Céu Azul é considerado um dos mais perigosos da região. ;A gente sempre foi considerado favelado. Muita gente tem até medo dos alunos daqui. Precisou morrer um professor para que o governo passasse a olhar para a gente. Mas e quando essa comoção passar, o que vai acontecer?;, questiona.

Para os educadores da unidade, a situação não é diferente. Professora de matemática, Raimunda Pinheiro de Sousa, 37, conta que a sensação de insegurança começa quando ela chega nas proximidades da escola. ;Venho de motocicleta e a gente consegue ver nitidamente a violência nas ruas, o tráfico de drogas. O reflexo disso está dentro da sala. Já perdi as contas de quantos alunos, de 15 ou 16 anos, vi assistindo às aulas drogados;, lamenta. Na avaliação dela, falta investimento público para que a situação melhore.

Raimunda relata que passou dias se preparando para voltar ao colégio onde o amigo foi assassinado. ;Hoje (ontem), foi o primeiro dia que vim à escola depois do crime. Tudo veio à minha mente. Toda a cena. Passei dias me perguntando como ia ser a volta, mas decidi ser forte, recusei atestados e vim encarar a situação. Afinal, também tenho que dar e receber apoio aos meus colegas;, ressalta.

A unidade de ensino tem cerca de 1,4 mil alunos e 40 professores. Após a morte de Júlio, 60 estudantes mudaram de escola. Além disso, dois educadores pediram transferência e outros dois estão afastados, fazendo acompanhamento psicológico. Apesar do quadro, o diretor da escola, Renato de Almeida Araldi, afirmou estar com expectativa positiva para o retorno das aulas. ;Vamos trabalhar para reconquistar nossa cidade. Nunca vamos esquecer o que aconteceu, mas precisamos trabalhar com os alunos. Somos como uma Fênix, começaremos de novo;, garante.

Homenagens
O Colégio Estadual Céu Azul abriu as portas no início da manhã e o dia foi marcado por cultos, apresentações musicais e oficinas, além de autoridades do estado. Todos que foram ao microfone cumprimentaram a família de Júlio. Parentes dele estavam sentados na primeira fileira. Daiani Alves, 31, mulher do educador, acompanhada dos filhos, Arthur e Heloísa, de 4 e 6 anos, respectivamente, ela afirmou estar agradecida pelas homenagens ao marido. ;Agradeço por sempre terem lembrado da pessoa maravilhosa que ele era. Tudo ainda é muito difícil, mas temos que nos levantar;, desabafou.

De acordo com Daiani, a cerimônia na escola foi reconfortante e, agora, ela tentará fazer o melhor para a criação dos filhos. ;Vou trabalhar para educar meus filhos. Vou ensiná-los a serem honestos e trabalhadores, como o pai deles era. As crianças ainda não conseguem entender o que aconteceu;, lamentou. A moradora de Santa Maria estava casada com Júlio havia 15 anos.

;Excesso de democracia;

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), a secretária de Educação, Fátima Gavioli e o prefeito de Valparaíso, Pábio Mossoró (PSDB), compareceram à unidade de ensino para prestar homenagens a Júlio e à família dele, além de discursar. ;Não brinquem achando que bandidagem vai ter vida mole no nosso governo;, bradou Caiado aos alunos e professores, visivelmente abalados. Durante a fala, o governador ressaltou que era médico, aconselhou aos alunos que estudassem e pediu para que as adolescentes tomassem cuidado com gravidez precoce.

A secretária de Educação destacou a importância da ação em conjunto para mudar a realidade da escola. ;Temos que nos unir com autoridades, cada qual na sua esfera, para vencer a violência;, afirmou. Caiado e Fátima não anunciaram as medidas que serão implementadas na escola. A secretária disse que mudará o regimento da escola, para que os estudantes tenham as mochilas revistadas e disse que o ;excesso de democracia; era um dos motivos de casos como o da unidade de ensino.