postado em 22/05/2019 04:08
Diferentemente de Debora, a também professora e vítima de violência doméstica Ana Beatriz* sobreviveu para contar a própria história. Refém de um relacionamento por quase 20 anos, viu o comportamento cativante e solícito do ex-marido esconder as constantes ameaças e agressões físicas e psicológicas feitas longe dos olhares de familiares, amigos e conhecidos da igreja. A violência foi motivo de cinco separações no período. Mas o medo de perder as duas filhas, a vergonha de ser julgada por se separar e a dependência emocional foram capazes de superar a ameaça de tiros, na frente das crianças ; as quais ele garantia que mataria e, depois, cometeria suicídio. Mas a arma falhou três vezes, pessoas escutaram o pedido de socorro e a polícia chegou a tempo.
Apesar da violência, dois anos depois do episódio, ela deu uma nova chance ao casamento. ;Essa realidade não foi só minha. Faz parte da história de milhares de mulheres, vítimas de maridos doentes e acorrentadas às próprias limitações e que sofrem caladas. A gente não sabe se deve ou se vai adiantar denunciar, sempre acha que ele vai mudar, sofre preconceito das pessoas que não sabem a realidade e acham que é falta de vontade de lutar pelo bem maior da família. Em meio a tantos fatores internos e externos, a vítima se submete à manipulação, às agressões, ao autoritarismo, ao medo. Até não se reconhecer mais;, relatou Ana Beatriz.
No caso dela, a dependência financeira não era um dos motivos que a mantinha no relacionamento. Professora concursada e com pós-graduação, ela sustentava a casa. Por isso, na avaliação dela, o problema independe de escolaridade, classe social ou faixa etária. Assim, Beatriz levou décadas para sair do ciclo de violência doméstica. ;Não foi fácil assumir que a doença dele me deixou doente também, mas consegui me reerguer. Levo para a vida a frase que um delegado disse para mim: ;Não é só uma medida protetiva que vai assegurar a sua vida, são as suas atitudes;. Precisei abdicar de pessoas queridas que ainda tinham contato com ele e que acreditavam nas versões dele. Escolhi a minha vida e não abro mão dela.;
Valorização
Mesmo depois da decisão definitiva de romper o casamento, Ana Beatriz encontrou dificuldades judiciais. Por mais de um mês, ficou sem a medida protetiva após ter a renovação da ordem de afastamento negada. A vítima precisou peregrinar em delegacias, Ministério Público e fóruns para conseguir reconquistar o direito em segunda instância. Precisou provar a necessidade da proteção, submetendo, inclusive, uma das filhas ao depoimento. Só assim conseguiu a medida protetiva por tempo indeterminado. ;Ainda há barreiras que dificultam algo que, por si só, já é difícil. Precisamos de programas específicos que cuidem da mulher para que ela se sinta valorizada e dona de si, assim como me sinto hoje. As mulheres precisam ser salvas e também quererem se salvar;, ressaltou.
* Nome fictício