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'Fiquei vagando, incrédulo', diz amigo de vítimas de Paracatu

Moradores da cidade mineira se despediram nesta quarta-feira (22/5) de três das quatro pessoas assassinadas por um segurança de 39 anos, na noite de terça-feira (21/5). Segundo a polícia, o assassino, que também matou a ex-namorada, pode responder, ainda, por feminicídio

Augusto Fernandes - Enviado especial
postado em 23/05/2019 06:00
Velório de Rosângela Albernaz e Marilene Martins de Melo Neves, mortas enquanto oravam na Igreja Batista Shalom, no bairro Bela Vista
Paracatu (MG) ; O massacre cometido na noite de terça-feira (21/5) traumatizou Paracatu, cidade mineira distante 240km do Distrito Federal. No dia seguinte à chacina de quatro pessoas, assassinadas pelo segurança Rudson Aragão Guimarães, 39 anos, durante um surto psicótico, o choque e a incredulidade da população podiam ser percebidos nas ruas. Em cada esquina, grupos de pessoas comentavam o crime cometido na Igreja Batista Shalom, no bairro Bela Vista, onde, em menos de 15 minutos, o acusado matou a ex-namorada com um canivete e, a tiros de uma garrucha de calibre 36, três fiéis.

Os enterros de todas as vítimas ocorreram nesta quarta-feira (22/5). Em Paracatu, foram sepultados Antônio Rama, 67, pai do pastor da Igreja Batista Shalom; Marilene Martins de Melo Neves, 52; e Rosângela Albernaz, 50. Eles estavam em oração no local, quando Rudson os matou com disparos na cabeça. Pouco antes disso, o homem havia esfaqueado a ex-namorada Heloísa Vieira Andrade, 59. A vítima estava em uma casa da família de Rudson, que fica a três quadras do templo religioso. A mulher também orava, ao lado da mãe e da irmã do assassino, quando recebeu um golpe no pescoço e morreu no sofá da sala de estar. Ela foi enterrada em Uberlândia (MG), sua cidade natal.


Segundo a polícia, o pastor Evandro Rama, 37, era o principal alvo do assassino. Ele conseguiu escapar da morte pulando um muro da igreja. Fraturou o tornozelo esquerdo e foi hospitalizado no Hospital Municipal de Paracatu. Após passar por cirurgia, o quadro clínico é estável, mas ele permanece sob os cuidados da equipe médica.
Maria Aparecida era casada com Antonio Rama, pai do pastor da igreja, havia 40 anos:
Na noite do massacre, Rudson arrancou uma barra de ferro do portão para invadir a igreja. De acordo com o tenente-coronel da Polícia Militar de Paracatu Luiz Magalhães, ele tinha alucinações e dizia coisas desconexas, como a que havia voltado do inferno para cumprir a missão de assassinar o pastor Evandro. "Como o pastor fugiu, ele se voltou contra os fiéis. Uma equipe da Polícia Militar estava em direção à casa onde aconteceu o primeiro assassinato quando ouviu tiros vindos da igreja. Quando chegamos lá, dois fiéis estavam mortos, e o assassino tomou uma terceira pessoa como refém. Tentamos negociar, mas ele não deu tempo à polícia e atirou na cabeça dessa vítima. Em proteção às demais pessoas que estavam ali, a guarnição efetuou um disparo contra ele, que o atingiu no peito. Assim, conseguimos desarmá-lo", detalhou o oficial.
Rudson também está internado no Hospital Municipal de Paracatu, em uma unidade de terapia intensiva (UTI). Ele foi submetido à cirurgia e, na manhã desta quarta-feira (22/5), o quadro de saúde mudou de grave para estável. Ele respira sem a ajuda de aparelhos. Nas contas da Polícia Militar, pelo menos 20 pessoas participavam da reunião no templo. Com Rudson, os militares encontraram seis projéteis intactos. "Fatalmente, ele faria mais vítimas e estaríamos diante de um crime ainda mais trágico. Felizmente, agimos rápido e evitamos o pior", ressaltou o PM Luiz Magalhães.


Lembranças

As cerimônias de despedida reuniram dezenas de familiares e amigos das vítimas. Ainda sem acreditar no massacre, a cozinheira Maria Aparecida Loures, 57, reconheceu que terá de ser forte para aceitar a morte de Antônio, com quem era casada havia 40 anos. "Perdi o meu companheiro de vida. Ele foi um exemplo de pai e esposo, que nunca virou as costas para a família. O Antônio era um homem de caráter. Guardarei as melhores lembranças dele", lamentou.
O autônomo Renato Martins, 45, primo de Marilene, também não se conformava. "Foi uma coisa lamentável. É impossível imaginar que alguém em sã consciência entre em um ambiente sagrado e tire a vida de várias famílias sem mais nem menos. Não consigo descrever o tamanho da minha tristeza. A ficha vai demorar a cair", disse.

A professora Iana Quirino, 37, era da mesma igreja das vítimas e fez questão de ressaltar a personalidade das quatro, especialmente a de Rosângela. "Ela era bastante assídua na nossa comunidade. Uma mulher ativa na obra e verdadeira serva de Deus. Sinto que perdi alguém da minha família. Ela foi uma grande companheira para todos os fiéis da nossa igreja", ressaltou.

Expulso da igreja

A apuração do crime está sob responsabilidade da 2; Delegacia Regional de Paracatu. A investigadora de homicídios da unidade policial, Thays Silva, levantou a hipótese de que Rudson cometeu o massacre devido a um atrito que ele tinha com o pastor Evandro. "Acredita-se que Rudson teria se irado em razão de sua destituição de uma posição de liderança da igreja. A partir de então, teria passado a proferir ofensas ao pastor. Isso gerou uma indignação grande e chegou ao ápice ontem (terça-feira), quando ele estava bastante alterado e cometeu os crimes;, explicou a delegada.

Membro da Igreja Batista Shalom, Yuri Jordão, 45, explicou que Rudson atuava como intercessor na igreja, auxiliando o pastor a conduzir orações. Há dois meses, no entanto, após ser alertado de problemas pessoais do acusado, Evandro o retirou da função. Tentou orientá-lo, mas Rudson não se mostrou interessado nos conselhos do líder religioso. Por causa disso, Evandro o expulsou da igreja. "A partir daí, o Rudson passou a denegrir a imagem do pastor nas redes sociais. Fez várias publicações ofendendo-o, o que deixou o pastor muito assustado. O Evandro chegou a me enviar um áudio pedindo misericórdia. Infelizmente, ele cometeu uma barbárie", lamentou Yuri.

Interrogatório

De acordo com a delegada Thays, Rudson não tinha histórico de violência doméstica, mas testemunhas disseram que ele se comportava de forma agressiva com familiares. A Polícia Civil não confirmou a prática de feminicídio na morte de Heloísa, mas a possibilidade da qualificadora não está descartada. "Há vários pontos a serem esclarecidos com relação à motivação. Até o fim desta semana, nós iremos interrogá-lo. O inquérito tem prazo legal de 10 dias para ser concluído. Depois de ser liberado do hospital, ele será encaminhado ao presídio e permanecerá à disposição da Justiça", detalhou a investigadora.


Depoimento

;Experiência traumática;

Moradores da cidade mineira se despediram nesta quarta-feira (22/5) de três das quatro pessoas assassinadas por um segurança de 39 anos, na noite de terça-feira (21/5). Segundo a polícia, o assassino, que também matou a ex-namorada, pode responder, ainda, por feminicídio "Eu soube do que estava acontecendo no momento em que ele esfaqueou a ex-namorada. Alguém me ligou, mas, quando atendi, não consegui entender nada. Tinha muita gritaria e criança chorando. Tentei retornar a ligação, mas não dava certo. Até que alguém que eu nem conheço me ligou mais uma vez e disse: ;Corre para a igreja que o Rudson esfaqueou uma moça e disse que vai matar o pastor;. Saí às pressas para a igreja, mas cheguei depois do Rudson, pois eu moro mais longe. Cheguei ao mesmo tempo em que os policiais militares e, mesmo de fora da igreja, presenciei a hora em que ele atirou contra a Marilene. Não existem palavras que descrevam esse momento. Eu não entendi nada. Fiquei vagando ali, no meio da rua, incrédulo. Nada passava pela minha cabeça. Até tentei entrar na igreja, mesmo sabendo que não podia, mas fui impedido pelos policiais. Foi uma experiência muito traumática, vou demorar a absorver o que aconteceu."

Denerson Pereira, 26 anos, técnico de segurança do trabalho e amigo das vítimas

As vítimas

Moradores da cidade mineira se despediram nesta quarta-feira (22/5) de três das quatro pessoas assassinadas por um segurança de 39 anos, na noite de terça-feira (21/5). Segundo a polícia, o assassino, que também matou a ex-namorada, pode responder, ainda, por feminicídio Antônio Rama

; Tinha 67 anos
; Era agricultor aposentado
; Nasceu em Colorado (RS)
; Morava em Paracatu desde 1984
; Deixou mulher e três filhos, entre eles o pastor Evandro Rama

Moradores da cidade mineira se despediram nesta quarta-feira (22/5) de três das quatro pessoas assassinadas por um segurança de 39 anos, na noite de terça-feira (21/5). Segundo a polícia, o assassino, que também matou a ex-namorada, pode responder, ainda, por feminicídio Heloísa Vieira Andrade

; Tinha 59 anos
; Era master-coach
; Nasceu em Uberlândia (MG)
; Deixou dois filhos
; Namorou Rudson menos de um ano
Moradores da cidade mineira se despediram nesta quarta-feira (22/5) de três das quatro pessoas assassinadas por um segurança de 39 anos, na noite de terça-feira (21/5). Segundo a polícia, o assassino, que também matou a ex-namorada, pode responder, ainda, por feminicídio Marilene Martins de Melo Neves

; Tinha 52 anos
; Era comerciante
; Nasceu em Paracatu (MG)
; Deixou marido e dois filhos
Moradores da cidade mineira se despediram nesta quarta-feira (22/5) de três das quatro pessoas assassinadas por um segurança de 39 anos, na noite de terça-feira (21/5). Segundo a polícia, o assassino, que também matou a ex-namorada, pode responder, ainda, por feminicídio Rosângela Albernaz

; Tinha 50 anos
; Era dona de uma
padaria
; Nasceu em Paracatu (MG)
; Deixou marido e duas filhas
Moradores da cidade mineira se despediram nesta quarta-feira (22/5) de três das quatro pessoas assassinadas por um segurança de 39 anos, na noite de terça-feira (21/5). Segundo a polícia, o assassino, que também matou a ex-namorada, pode responder, ainda, por feminicídio O acusado ; Rudson Aragão Guimarães

; Tem 39 anos
; Serviu às Forças Armadas como reservista
; Também trabalhou como vigilante
; Nas redes sociais, informava ter estudado direito em Brasília

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