Helena Mader
postado em 24/05/2019 06:00
Uma lei anticorrupção aprovada no ano passado pela Câmara Legislativa colocou o Distrito Federal na vanguarda do combate a desvios de recursos públicos. A capital federal foi a segunda unidade da Federação a obrigar empresas contratadas pelo governo a criar programas de integridade, com normas de compliance. A previsão é de que as regras entrem em vigor a partir de 1; de junho. Mas detalhes da legislação, como os valores estabelecidos como base, geraram reclamações do setor produtivo. Os empresários alegam que as exigências podem quebrar companhias, sobretudo as de pequeno porte. O governador Ibaneis Rocha enviou à Câmara um novo texto, com alterações na lei. Se a proposta não for aprovada até sexta-feira, centenas de empresas ficarão sujeitas a multas.
A Lei n; 6.112/2018, de autoria do ex-deputado distrital Chico Leite, obriga firmas com contratos acima de R$ 80 mil com o GDF a desenvolver programas internos de combate à corrupção. O valor é para compras e serviços e, no caso de obras, a exigência vale para contratos acima de R$ 650 mil. Entidades do setor produtivo, como as federações do Comércio e das Indústrias do Distrito Federal, cobraram mudanças no texto. A adoção de programas de compliance requer investimentos, além da contratação de consultorias ou de pessoal especializado, o que, segundo representantes do empresariado, pode inviabilizar negócios menores.
A menos de 10 dias da entrada em vigor da norma, o governador protocolou o projeto na Câmara Legislativa e espera contar com o lobby do setor produtivo para aprovar o texto antes de 1; de junho. O novo projeto do GDF muda os limites estabelecidos no texto anterior. A ideia é de que só empresas com contratos acima de R$ 5 milhões sejam obrigadas a desenvolver programas de compliance.
Segundo dados do governo, 114 dos 1.835 contratos iniciados em 2018 apresentaram valor global superior a R$ 5 milhões, o que corresponde a 6,2% do total. Em termos de volume, entretanto, eles representam 77,7% de todos os acordos fechados no ano passado. ;Se não for alterada, essa lei causará muita confusão, além de prejuízos, sobretudo às micro e pequenas empresas. Uma coisa é exigir programa de integridade de empresas de porte maior, outra coisa é estabelecer a exigência para pequenos negócios;, ressalta o controlador-geral do Distrito Federal, Aldemário Castro.
O projeto de lei também muda a data de vigência: em vez de começar a valer em 1; de junho, a norma só passaria a ser adotada em 1; de janeiro de 2020. Outra mudança é que, em vez de atingir contratos em andamento, a regra passaria a valer apenas para acertos firmados após o próximo ano.
Exigência
O primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do DF (Fibra), Pedro Henrique Verano, diz que o setor produtivo defende a implementação de programas de integridade. "Pedimos ao governo que alterasse apenas o prazo de adequação e o valor dos contratos. São ajustes importantes, e não uma tentativa de postergar a adoção das normas", explicou. "A lei está inexequível nos moldes atuais. Com o patamar de R$ 80 mil, a regra abarca praticamente todos os contratos, até os de pequenos serviços e reparos. Fizemos a sugestão de aumentar o valor, mas isso não vai impedir que pequenas empresas também tenham normas de compliance", acrescenta.
Segundo Pedro Henrique, grandes empresas de setores como a construção civil cobram a adoção dessas práticas na hora de fazer subcontratações. Diante da necessidade imposta pela legislação, a Fibra, em parceria com o Sebrae, vai oferecer consultoria a preço subsidiado para capacitar e formar equipes de integridade de empresas.
O primeiro estado a adotar a exigência de programas de compliance para empresas que contratam com o governo foi o Rio de Janeiro. Lá, a obrigatoriedade vale para contratos acima de 650 mil e R$ 1,5 milhão, respectivamente, para compras e para obras. No Rio Grande do Sul, terceira unidade da Federação a usar desse expediente, os valores estabelecidos foram de R$ 176 mil e R$ 330 mil. O governo federal não tem uma legislação a respeito do tema, mas tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que criam regras semelhantes.
Variáveis
Ex-ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage estava à frente do órgão à época da aprovação da lei anticorrupção e dos debates sobre programas de integridade. Especialista no tema e consultor na área, Hage explica as variáveis que devem ser analisadas para estabelecer exigências das empresas que fazem negócios com o poder público. ;É preciso observar o valor do contrato, o porte da empresa, a duração do contrato, além de fazer a distinção entre obras, compras e prestação de serviço. Deve ser exigida uma efetiva avaliação individual de cada empresa para verificar se ela, de fato, implantou um programa de compliance ou se o projeto ficou apenas no papel;, explica o ex-ministro.
Hage aponta um aspecto falho na norma aprovada no ano passado. O texto prevê que cabe aos fiscais e gestores dos contratos verificar a real adoção dos programas de integridade. ;Defendo que essa avaliação não seja feita nem pelo fiscal nem pelo gestor do contrato, mas por um órgão central de controle e integridade. Senão, isso pode resultar em uma absoluta falta de isonomia no tratamento das empresas;, alerta o especialista. O novo projeto de lei estabelece que o responsável pela fiscalização será definido em uma regulamentação futura.
O secretário de Assuntos Parlamentares do DF, Bispo Renato Andrade, adianta que o governo vai mobilizar os distritais para votar o tema na próxima semana. ;É um projeto que precisa ser apreciado até o dia 1;. Senão, haverá problemas e complicações para as empresas do Distrito Federal. O governo e a Câmara Legislativa não querem que isso aconteça;, argumenta.
Punição diária
A lei prevê que empresas que não desenvolverem programas de integridade ficam sujeitas a multa diária de 0,1% do valor do contrato firmado com o governo. O percentual é aplicado sobre o valor atualizado do contrato, limitado a 10% do preço global.
R$ 80 mil
Valor do contrato que a atual legislação prevê para a empresa desenvolver programa de combate à corrupção.