Cidades

Crônica da Cidade

postado em 01/06/2019 04:07
Gordofobia

Contei aqui, alguns meses atrás, que comecei uma dieta. Nos primeiros dias, tinha perdido um centímetro de sorriso, percebi. Agora, o sorriso voltou ao normal, graças aos 8kg a menos na balança. ;Parabéns!”, digo a mim mesmo, diante do espelho, sempre que aperto mais um furo do cinto.

Estava já nesse espírito ;até que fazer regime é legal; quando chegou o dia de fazer a primeira viagem de avião desde que iniciei a tal da reeducação alimentar. Enquanto descia pelo finger, lembrei que uma das coisas que eu temia, ao me ver ganhando cada vez mais peso, era chegar ao ponto de ocupar duas cadeiras. Antes de entrar na aeronave, pensei: ;Estou ocupando menos espaço.;

Cheguei à minha fila e notei um senhor na cadeira da janela. Sentei no assento do corredor, que, pela reserva, a companhia havia me roubado 2,5 mil milhas, e fiquei olhando os outros passageiros, tentando adivinhar, pela expressão facial e acenos de cabeça que faziam, qual deles ocuparia ; coitado ; a poltrona do meio.

Foi então que parou ao meu lado um sujeito que parecia o clone do Arnold Schwarzenegger. O braço do cara parecia a minha coxa, com a diferença de que o braço dele era firme. Ele levantou, sem demonstrar nenhum esforço, sua mochila até o bagageiro sobre nossas cabeças e apontou com o indicador o assento do meio.

Eu me levantei, esperei ele sentar e vi, um pouco assustado, o momento em que ele se sentou e se ombro esquerdo ocupou mais ou menos um terço do meu encosto. Eu me sentei, meio retorcido para caber no espaço que sobrara em minha cadeira e agradeci por seu uma viagem curta, de pouco mais de uma hora. Percebendo a situação, ele olhou para mim e disse: ;Um absurdo o espaço que eles nos dão nos aviões.; E nessa hora, enquanto sorria amarelo de volta, tive uma revelação: gordofobia existe mesmo!

Raciocine comigo, cara leitora e caro leitor. Quando estava mais gordo, meu receio era ocupar mais de um assento. Se isso acontecesse, eu me sentiria envergonhado e teria a sensação de que devia desculpas para o passageiro do lado. A culpa seria minha, não da maldita lata de sardinha em que nos obrigam a viajar. Mas lá estava, ao meu lado, um cara que ocupava parte do meu assento e não demonstrava culpa ou vergonha nenhuma!

Por quê? Porque ele não era gordo. Ele era forte. Certamente, ninguém, no dia a dia, olha para ele com olhar de reprovação, como quem está pensando: ;Ei, meu amigo, pare de inchar esses músculos. As outras pessoas também precisam de espaço.; Não, esse tipo de julgamento só é dirigido aos gordos. Um gordo extrapolar os limites de sua cadeira é algo imperdoável. Um fortão fazer o mesmo é sinal de que as cadeiras são pequenas mesmo. O nome disso? Gordofobia.

Eu não havia notado, até aquele momento, como a gordofobia me afetou a vida toda. Foi esclarecedora a experiência e, como uma espécie de vingança pessoal, até pensei em retribuir na mesma moeda: ;Tá apertado aí? Você também queria o quê, seu projeto de The Rock.?; Mas, olhando o tamanho do bíceps do sujeito, achei melhor não.




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