postado em 02/06/2019 04:27
Em meio a tantos casos em que o lar se transformou em um ambiente perigoso, há também quem viva em harmonia por ter conseguido restaurar o respeito aos primeiros sinais de crise no relacionamento. É o caso da administradora Ana*, 41, e do pedagogo Francisco*, 47. Juntos há seis anos, eles tiveram problemas comuns a muitos casamentos, e até se aproximaram de um divórcio, mas deram uma dinâmica diferente para não ter o mesmo fim triste.
Foi o marido quem propôs uma terapia quando percebeu as dificuldades e Ana aceitou a tentativa de intermediação. ;O profissional tem todas as ferramentas e não é tendencioso. Então nossa terapeuta pontuava as questões e nos dava as ferramentas necessárias para que nós mesmos procurássemos a solução. Assim resolvemos a nossa falha de comunicação, em que um falava e o outro não entendia o sentimento por trás;, contou ela. Agora, o casal dá mais importância aos pequenos gestos de afeto e respeito. ;Aprendemos o valor do diálogo, do olhar nos olhos, de separar um tempo e sentar para lidar com as questões diárias.;
Antes da ajuda terapêutica, qualquer situação simples de ser resolvida era encarada como um grande problema. Atualmente, conversa é o canal mais produtivo. Eles ainda frequentam a terapia uma vez por mês para continuar o trabalho de evolução da relação. ;A ajuda profissional foi rápida e assertiva, porque procuramos antes que qualquer sinal vermelho acendesse. Isso é muito importante. Não perceber a necessidade de auxílio é o que, em muitos casais, desencadeia situações mais graves do que o desrespeito e a troca de insultos, que podem evoluir para uma agressão;, ensina Ana.
Do problema à solução
Quem atua com resolução de conflitos no casamento ressalta a importância de estar atento aos primeiros problemas do relacionamento. Ana Maria Freitas, psicóloga e especialista em terapia familiar, detalha: ;Tudo começa com desrespeito, a falta de limites e de valorização da relação. Principalmente quando o homem é machista demais e se comporta como se fosse o dono da pessoa, com ciúmes exagerados, uso de palavrões e desqualificação verbal. Isso configura uma violência, mesmo que não haja a agressão física;.
Nesses casos, a terapeuta recomenda que tanto homem quanto a mulher busquem ajuda. ;Companheiros que não reconhecem seus comportamentos agressivos estão doentes, precisam de tratamento psicológico para ambos, agressor e vítima.; Porém, essa não é a realidade de muitos relacionamentos, que acabam não tendo suporte com profissionais. Outra barreira enfrentada pelos casais em situação de violência é a dificuldade de romper a relação, opção que muitas vezes tende a ser a melhor.
;Quando se percebe que não existe mais amor e respeito, a decisão por separação é um caminho construtivo para cada um seguir a sua vida. Em casos de divórcios mais conturbados, com ameaças à vida para a mulher, é preciso denunciar e buscar proteção jurídica. Para as vítimas sem recursos financeiros, são oferecidos os serviços sociais na Defensoria Pública, em universidades, grupos de apoio e associações, sem custo;, pondera Ana Maria. A psicóloga finaliza lembrando que outro problema do enfrentamento da violência doméstica é que, por muitas vezes, somente a mulher busca ajuda psicológica.
Dificuldades
Além da baixa procura espontânea por ajuda, outra barreira que dificulta a mudança de comportamento do homem machista é a pouca oferta de programas governamentais voltados para eles. Os Núcleos de Atendimento às Famílias e aos Autores de Violência Doméstica (Nafavd) são responsáveis por prestar o acompanhamento interdisciplinar tanto para mulheres, quanto para filhos e homens envolvidos em situações de violência doméstica. No entanto, há uma carência em relação ao serviço, como aponta a secretária da Mulher, Ericka Filippelli. ;Além de assistir homens apenados, o Nafavd foi criado com o objetivo de atender a demandas espontâneas, o que não estava acontecendo. Existe uma lista de espera e a gente acredita que o Estado precisa oferecer as oportunidades para que tanto homens quanto mulheres se percebam e saiam desse ciclo;, afirma.
A prioridade desta gestão, de acordo com Ericka, é avançar nas políticas públicas e nos serviços para combater a violência contra a mulher, o que inclui uma reorganização nos Nafavd. ;Expandir o atendimento é muito mais uma questão de gestão. Vamos ampliar a carga horária para oito horas e concentrar os atendimentos espontâneos quando não há rodas de conversas voltadas para os casos judicializados. Temos um corpo técnico de referência e, caso haja a necessidade, vamos nos preparar para ampliá-lo;, promete.
Focando, ainda, no trabalho preventivo, o governo busca institucionalizar uma câmara técnica de monitoramento e enfrentamento à violência contra a mulher. O objetivo é elaborar e aplicar ações públicas integrando os diversos equipamentos públicos, secretarias e poder Judiciário. ;O combate ao feminicídio também ocorre a partir da prevenção. Por isso, buscamos fazer pactos com empresas públicas e privadas para que elas assumam o compromisso pela mudança;, acrescenta a secretária.