postado em 04/06/2019 04:27
Ir para a casa às vezes é mais do que um simples retorno. Para Lis, Mel e os pais das meninas, Camilla Neves, 25 anos, e Rodrigo Aragão, 30, pisar no lar novamente é um passo enorme na trajetória da família. Desde 27 de abril, quando ocorreu a cirurgia de separação das gêmeas siamesas, os quatro praticamente moraram no Hospital da Criança de Brasília (HCB), acompanhando de perto os delicados procedimentos de pós-operatório. Só na tarde de ontem, 36 dias depois da operação, as crianças receberam alta médica e puderam voltar para a casa, em Ceilândia. ;O grande dia chegou! Agora é só felicidade;, comemorou a mãe.
As duas acordaram esbanjando saúde, com muita agitação e sorrisos. ;Acho que elas sentiram que finalmente íamos voltar;, disse Camilla. Durante o tempo que passaram internadas, chegaram até a celebrar o aniversário de um ano, no último sábado. A comemoração, com tema de festa junina, teve direito a bolo, decoração e roupa especial. Mas o que os pais queriam mesmo era ver essa diversão toda dentro do lar. ;Quando elas estavam juntas, improvisamos um cercadinho, e as duas gostavam muito de brincar nele. Isso é o meu maior desejo agora: colocá-las lá e ver cada uma no seu cantinho, brincando;, contou a mãe.
Com as filhas fisicamente separadas, os pais ficaram na expectativa de conhecer seus comportamentos individuais e se surpreenderam com a conexão que Lis e Mel mantiveram. ;Elas se pegam, fazem carinho, uma puxa a touquinha da outra... aí eu dou um brinquedo e elas soltam para brincar com a irmã. É muito bonitinho quando eu coloco cada uma em um berço e elas ficam se olhando, sem nem piscar. Dá para perceber que elas continuam a ligação linda que tiveram desde o nascimento.; Espertas e ativas, as bebês falam palavras como ;mamá; e ;papá;, brincam juntas e ensaiam as primeiras engatinhadas. Para os pais, já dá para saber quem é quem só de observar o comportamento.
Camilla e Rodrigo deixaram o hospital sob elogios dos médicos, que contaram como foi fundamental trabalhar com pessoas que mostraram muita força, mesmo com pouca idade. O coordenador da neurocirurgia do Hospital da Criança, Benício Oton, se emocionou com a despedida momentânea. ;Conheci a família no ano passado e nós enfrentamos tudo juntos. Na quinta-feira da última semana, quando vimos as crianças sorrindo na enfermaria, nossa equipe toda também riu;, descreveu Descrito como um anjo pelos pais, o médico ressaltou que agora o tratamento continua, mas que ;os problemas mais sérios já se passaram;.
O futuro
Agora, a expectativa da família ; e de quem se emocionou com a história das siamesas ; é saber como será a vida de Lis e Mel após todos os minuciosos tratamentos e cirurgias. A equipe médica do Hospital da Criança adiantou que a reação das duas depois do procedimento de separação foi ótima, e que a previsão para a recuperação dos ossos e a cicatrização dos cortes seja de seis meses.
;Elas farão fisioterapia durante um período ainda não determinado, que vai depender muito da resposta individual de cada uma, e vão ficar fazendo exercícios entre uma e duas vezes por semana, mais ou menos;, explicou o doutor Benício. Ainda é cedo para afirmar se as gêmeas vão precisar passar por mais uma cirurgia, mas os especialistas acreditam que não exista necessidade de um novo procedimento no crânio.
O Hospital da Criança continuará acompanhando o quadro das pequenas em conjunto com o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), que cuida dos procedimentos plásticos. No futuro, os médicos acreditam que as cicatrizes das bebês possam ser tampadas pelo cabelo. A possibilidade de danos cerebrais é quase descartada. ;Não podemos afirmar com todas as letras que elas não terão nenhuma sequela, mas essa é a expectativa que temos. Olhando todos os exames e acompanhando o resultado da cirurgia, é mais provável que elas não tenham deficiências;, concluiu o neurocirurgião.
Entenda o caso
Cirurgia delicada
Lis e Mel nasceram unidas pelo crânio (craniópagas) em 1; de junho de 2018, no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), onde permaneceram internadas durante um mês. Elas foram acompanhadas por uma equipe multidisciplinar que tornou possível a separação das siamesas no HCB. As gêmeas passaram 10 meses unidas pela cabeça, na altura da testa. A separação ocorreu em 27 de abril. A cirurgia, considerada raríssima na medicina, foi dividida em 36 etapas, começou às 6h30 de sábado e só terminou às 2h30 de domingo. O processo, além de raro, exigia extremo cuidado. Mais de 50 profissionais participaram da cirurgia de separação. Esse foi o primeiro procedimento do tipo no Distrito Federal, o terceiro no Brasil