Jornal Correio Braziliense

Cidades

Artigo: ''Perder um filho é indizível e inconsolável''

"Meu filho foi exterminado por um agente viral de tamanha letalidade, que não lhe deu nenhuma chance de defesa"

Minhas amigas e companheiras, estou vivendo o pesadelo de todas as mulheres: perder um filho. É indizível. Não tem palavras, e é inconsolável. Foi uma tragédia, uma catástrofe que destroçou minha vida. Não sei até agora o que será de mim. Sei que algo importante se quebrou em meu coração, em minha alma, que recebi uma condenação de sobrevivência tendo a dor e a saudade como companheiras íntimas. Também sei que não me foi dada a alternativa de sucumbência, pois tenho outro filho lindo, que amo profundamente, que depende da minha força e da coragem para seguir adiante.

E nós, as mães, não fugimos das nossas obrigações. O sabor da vida, esse, certamente, nunca mais será o mesmo. Porque tenho, nesses oito últimos dias, tentado tomar pé nesse turbilhão de dor, para não me afogar na amargura, na revolta e na aflição e sobreviver a cada dia até que chegue o dia em que consiga impulso e coragem para recomeçar a nadar. Devo isso a Bruno e a Lucas também, que era o irmão mais velho, pai, melhor amigo, parceiro, ídolo, preceptor, confidente e professor dele. Devo isso a mim, que não me perdoaria não cumprir minha história de mãe amorosa com Bruno. Espero ter força para tanto.

Tenho agradecido a solidariedade das pessoas que, de resto, é o que me tem mantido de pé. Meu filho foi exterminado por um agente viral de tamanha letalidade, que não lhe deu nenhuma chance de defesa. Como permiti a necropsia, é provável que saibamos o nome desse ser minúsculo que ceifou a vida de um jovem de 23 anos, absolutamente saudável, assim mostrou a autópsia dos seus órgãos.

Para mim, dentro do absurdo que vivo, uma lição de humildade. Ele era jovem de classe média alta, com acesso a ótimas escolas, às melhores condições sanitárias e teve em vida tudo de melhor para quem tinha sede de conhecimento: conheceu quatro continentes; foi o primeiro menor a ir desacompanhado à Estação Comandante Ferraz, na Antártida; rodou a Europa com seus museus e belas salas de música; fez imersão em Liverpool para aperfeiçoar o inglês, conhecendo tudo dos Beatles; conheceu a América, dos EUA até a Patagônia, passando por uma intensa viagem a Cuba e divertidas viagens à Disney. Foi também à mama África e ficou indignado. Conheceu todos os estádios dos clubes que amava.

Digo isso porque, às vezes, parece a muitas pessoas que será possível criar um mundo VIP, uma bolha, excluindo o populacho, com suas vidas tristes e miseráveis. Nessa bolha, os escolhidos viverão muito bem tendo acesso ao que de bom e de melhor a inteligência vai criar. Mas ai dos incautos que não sabem que, mesmo aí, um pequeno ser um dia fura a bolha e destrói rapidamente tudo e todos.

A grande e dolorosa lição que sinto nas minhas entranhas, que explode no meu coração, é que somos humanos todos e não há saída se o futuro não for de inclusão e de solidariedade, se não apostarmos num mundo sem exploração, mas de compartilhamento do que é bom, que precisa ser construído agora, investindo em educação para amplas massas, que resulte em saberes diversos, em conhecimentos extraordinários.

Há 2 mil anos, um homem, vendo que o caos, a ignorância, o obscurantismo e a mesquinharia estavam tomando conta do mundo, disse que é preciso amar o próximo como se ele fosse você. Esse é o caminho da salvação da humanidade. E ;eu vim para que todos tenham vida plenamente. Vamos acabar a exploração, varrer os vendilhões do templos, vamos acolher os proscritos, vamos dar voz ao povo;.

Depois dele, apareceu outro que disse ;trabalhadores, unam-se e construam um futuro de felicidade;. Todas as vezes que o mundo viu as pessoas, grandes massas, acreditarem na solidariedade e na força do conhecimento, nós assistimos a maravilhas. Vamos fazer a nossa parte.

As mães sempre foram parte fundamental desses processos grandiosos. Porque temos a capacidade de gerar vida, parir e, no absurdo, enxergar grandes bênçãos. Muito obrigada à sororidade que me mantém de pé. Muito obrigada à gigante manifestação de amor que tenho recebido de cada um e que são hoje milhares e que me mostram que somos fortes e podemos realmente fazer maravilhas.

*Funcionária pública e mãe de Lucas Dias Buarque de Gusmão