Isa Stacciarini
postado em 10/06/2019 06:00
"A senhorinha estava com a boca aberta pedindo água, mas não conseguiu nem sugar o canudo. Foi aí que chamei um morador, que é médico, para prestar assistência;
Maria Antônia Aparecida, funcionária do prédio
A Polícia Civil investiga o suposto abandono de um casal de idosos, moradores do Cruzeiro. A mulher tem 79 anos, e o marido, 87. Os dois vivem sozinhos em um apartamento da Quadra 1.405, mas ontem vizinhos os encontraram sujos, com sinais de desidratação e famintos. A filha do casal, Luziane Campos, 51 anos, foi autuada por deixar de prestar assistência, crime previsto no Estatuto do Idoso. Entre janeiro e maio do ano passado, o Distrito Federal registrou 1.102 delitos contra idosos, um aumento de 508,8% em relação ao mesmo período de 2017.
No caso mais recente, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) socorreu o casal e o encaminhou para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Eles permanecem internados por desidratação, mas o estado de saúde é estável. A filha prestou depoimento ontem na 5; Delegacia de Polícia (Área Central), mas foi liberada por se tratar de um crime de menor potencial ofensivo.
A primeira pessoa a socorrer as vítimas foi a mulher do zelador do prédio, Maria Antônia Aparecida, 51 anos. Ela vai até o apartamento do casal rotineiramente para checar se está tudo bem. Ontem pela manhã, quando subiu, a mulher de 79 anos estava com sede. ;A senhorinha estava com a boca aberta pedindo água, mas não conseguiu nem sugar o canudo. Foi aí que chamei um morador, que é médico, para prestar assistência;, contou.
O vizinho faz residência em geriatria e constatou sinais de desidratação. Foi ele quem acionou o Samu. Segundo Maria Antônia, o casal mora no prédio há 14 anos e sempre viveu sozinho, mas, há 20 dias, a idosa ficou mais debilitada. Além disso, o marido apresentava ferimentos de um tombo, na sexta-feira. ;Eu liguei para a filha deles no sábado e disse para ela tomar alguma providência, levá-los ao médico. Ela foi, mas, se chamou socorro, ninguém viu;, afirmou.
A mulher do zelador sugeriu que a filha contratasse um profissional para cuidar do casal. ;Ela dizia que, nesse momento, não podia chamar ninguém. Ontem mesmo (sábado), o meu marido falou com ela que, se não aparecesse, acionaria a síndica para tratar do caso deles em uma reunião com os outros moradores;, disse.
Depoimento
A filha do casal negou o abandono. Professora aposentada da rede pública por invalidez, Luziane garantiu que visita os pais todos os dias. ;Eles só dormem sozinhos porque eu também cuido da minha filha, que tem abscesso pulmonar;, alegou. Ela acrescentou que, no sábado, após ser acionada pela mulher do zelador, passou a noite com os idosos. ;Eu faço compras para eles todos os dias. Não há sinais de abandono. Eles são bem cuidados, alimentados;, ressaltou. Luziane, no entanto, minimizou os sinais de desidratação e a falta de higiene do casal. ;A minha mãe foi parando de se alimentar há duas semanas, mas, ontem (sábado), eu dei água de coco para ela. O meu pai não deixa eu cortar as unhas dele, e as da minha mãe são muito grossas. Eu não estava conseguindo encontrar um alicate que eu pudesse utilizar;, justificou. A professora confirmou a queda do pai, na sexta-feira. ;Ele caiu na quina da cozinha, mas como eu vou impedir que isso aconteça?;, questionou. ;Apesar disso, ele está bem. Só está com o problema de coluna devido à queda;, avaliou.
O delegado plantonista da 5; DP lavrou um termo circunstanciado, e o documento será encaminhado à Justiça. Outra parte da ocorrência seguirá para a 3; Delegacia de Polícia (Cruzeiro). A unidade policial será responsável por dar continuidade à investigação.
Para saber mais
Quase 330 mil idosos na capitalA estimativa da Companhia de Planejamento (Codeplan) é de que, no Distrito Federal, vivam 328,3 mil idosos, ou seja, mais de 11% da população da capital é composta por pessoas acima dos 60 anos. Essa população tende a aumentar nos próximos anos. Dados da Projeção da População 2018, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que, em 2060, a capital será a segunda unidade da Federação com mais idosos, sendo dois para cada jovem. No Brasil, um quarto da população (25,5%) deverá ter mais de 65 anos naquele ano.