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Crônica da Cidade

A arte da felicidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 13/06/2019 04:17
Tenho fascínio pelo tema da felicidade. Afinal, nós estamos de passagem por esse planeta para quê? Existirmos, a que será que se destina? O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, morto em 9 de janeiro de 2017, aos 91 anos, tinha algo da mirada de um filósofo sobre o mundo efêmero da pós-modernidade, que ele nomeou de líquida. Em uma de suas últimas entrevistas, concedida a Valeria Arnaldi, publicada no jornal italiano Messaggero, ele tocou precisamente na questão delicada da felicidade na era pós-moderna da velocidade virtual e do delírio global do consumo.

Para muitos, a felicidade seria ganhar na Mega-Ssena ou ter uma vida que fosse um deslizar de lancha sobre camélias, como diz Carlos Drummond de Andrade. Bauman lembra que existem muitas ideias sobre essa aspiração humana, demasiado humana, mas que elas poderiam ser sintetizadas em duas vertentes principais.

A popular seria a de uma vida plena de instantes agradáveis, sem problemas ou desafios. E a outra é revelada pelo poeta Goethe: ;Já idoso, ele foi perguntado se a sua vida tinha sido feliz;, relata Bauman. ;Ele respondeu que sim, mas que não se lembrava de uma única semana em que o tivesse sido. Isso implica que ser feliz não significa não ter dificuldades, mas superá-las.;

Perguntado se o conceito de felicidade teria mudado com as transformações vertiginosas do mundo pós-moderno, Bauman admite que definir o que significa ser feliz é algo muito complexo. Se arrisca a dizer que a felicidade deveria ser conquistada, no entanto, em nosso sistema de consumidores, vendem-se promessas de algo que nos fará sentir melhor, em um eterno círculo vicioso: ;O mercado, em teoria, deveria aspirar a satisfazer todas as necessidades. Satisfazer os consumidores, na realidade, é o pesadelo do mercado: envolveria não ter mais nada para vender. A publicidade nos promete que seremos felizes com o novo celular, por exemplo, mas ela tinha feito o mesmo para o modelo anterior e vai refazer o mesmo para o posterior;.

Não faz sentido sermos constrangidos a gastar o dinheiro que ainda não ganhamos para comprar coisas das quais não precisamos para impressionar pessoas que não nos importam muito, argumenta Bauman. Esse é o caminho para ampliar a infelicidade.

Seria essencial redescobrir o verdadeiro prazer de comunicar e de se encontrar, não por meio dos tuítes, mas por meio de conversas de verdade, olho no olho, defende Bauman: ;Há uma grande diferença entre encontros virtuais e tradicionais. Cada instante desperdiçado é uma chance de felicidade perdida;.

Mas, de fato, o tema da felicidade é complexo, delicado e sutil. Fui solicitar um serviço e o dono do estabelecimento começou a falar de desventuras amorosas. ;E, hoje, você ainda é infeliz?;, perguntei. E ele respondeu: ;Hoje, sou desinfeliz;. ;O que você quer dizer com isso?;, indaguei. E ele me esclareceu: ;Quer dizer que não sou mais infeliz e já considero isso uma conquista, uma dádiva, uma forma de felicidade.;

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