Darcianne Diogo*
postado em 14/06/2019 18:21
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) da Unidade Operacional de Ceilândia promoveu, nesta sexta-feira (14/6), operação de combate ao trabalho infantil. A ação se deve ao Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, comemorado em 12 de junho. Uma equipe de oito policiais abordaram cerca de 200 motoristas de ônibus e veículos de passeio para conscientizar sobre o trânsito e consequências do trabalho infanto juvenil.A operação faz parte da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) da PRF e está prevista no calendário da instituição. ;Paramos os veículos, fiscalizamos os documentos e, em seguida, o convidamos para assistir um vídeo em uma de nossas salas, promovendo um debate acerca do tema;, explicou o policial e presidente da Comissão, José Teógenes Abreu. Segundo ele, medidas como essa fortalecem e encarecem o exercício da cidadania. ;Entendemos que o papel da polícia deve estar afinado como cumprimento da lei. Se esse profissional respeita os direitos humanos, ele respeita as pessoas;, destacou.
O vice-presidente da CNDH, Rubens Bacellar, explica que explorar crianças no trabalho resulta em consequências graves. ;Primeiro que um menor não tem formação física para exercer atividades como gente grande. Ele pode sofrer com déficit de aprendizagem, fadiga excessiva, problemas psicológicos e de cognição e até risco de abuso sexual dentro do ambiente de trabalho. É importante reforçar o dever dos pais, que é oferecer lazer e educação.;
A doméstica Maria de Socorro, 39 anos, esteve presente na palestra. Para ela, o tema é relevante e serve para alertar os pais. ;Na minha infância eu trabalhei, desde os meus 6 anos. Trabalhava como faxineira em casa de família. Meus pais não tinham condição suficiente para sustentar a casa e eu tinha que complementar a renda. Hoje, sofro as consequências. Nunca estudei e continuo sendo doméstica;, relata. Ela, que também é mãe, não deseja que a filha de 10 anos tenha o mesmo futuro. ;Quero ver minha pequena na escola, estudando para que seja uma grande profissional e desfrutando do que eu não tive.;
Maria Rodrigues, 40, também é doméstica e teve a infância parecida com a de Maria de Socorro. Segundo ela, medidas de conscientização promovidas por órgãos públicos são raras de ver. ;Achei super legal e admirável. Você acha que os policiais vão parar seu carro para outra coisa, mas, na verdade, é para fazer um bem como esse;, conta.
José Pedro de França, 27, é caminhoneiro e conta que é comum ver situações de trabalho infantil nas estradas. ;Vejo muitas crianças de nove, 10 anos vendendo balinha e frutas. Dá para notar que elas estão ali por incentivo dos pais, e isso é preocupante, porque poderia estar estudando e construindo o futuro;, comenta.
Realidade no Brasil
O trabalho infantil ainda é um problema que assola o país. Só no Brasil, 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos trabalham, o que representa 6% da população. Dessas, 76% exercem função na agricultura. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2016.
De acordo com a Lei 8.069/1990, qualquer forma de trabalho até os 13 anos é proibido. Aos 14 anos, é permitido, desde que as condições seja na forma de menor aprendiz ou com restrições ao trabalho noturno. Contratações via carteira assinada podem ser feita apenas por jovens com 16 e 17 anos.
Selma Sauerbronn, professora de direito da criança e do adolescente do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), evidencia os malefícios que ocorrem, quando a criança é inserida no mercado de trabalho. ;Ela deixa de desenvolver o lado cognitivo, até porque, atividades lúdicas são importantes para o crescimento. Quando ele é afetado, as consequências repercutem diretamente na escola. Se ela tem um cognitivo atrasado, provavelmente não terá uma evolução boa;, destaca.
Atividades praticadas por crianças nas ruas, como venda de balas, também é fator preocupante, como afirma a docente. ;Ali, ela estará em uma situação de risco, pois vai estar exposta à agressão e até de aliciamento ao tráfico de drogas;, observa.
A juíza Noemia Porto esclarece que a causa do trabalho infantil é um problema multifatorial, ou seja, não é um problema único. ;No Brasil, especificamente, nós temos alguns impasses como a pobreza e desigualdade. Quanto mais pobre, mais as crianças e adolescentes se tornam vulneráveis à exploração. Outro ponto é a cultura de um povo, que tem a ideia de que o trabalho seria importante para fortalecer a renda da família;, diz a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Segundo dados da Pnad 2016, no país, 54% da população de zero a 14 anos são pobres, o equivalente a 22 milhões de pessoas.
;O trabalho infantil tem consequências árduas, como a evasão escolar, pois essa criança não vai conseguir ter um ensino de qualidade. No futuro, ela também terá problemas, porque a qualificação profissional estará nas piores qualidades, além dos problemas psicológicos e emocionais;, reitera a magistrada.
*Estagiária sob supervisão de Ronayre Nunes