Cidades

Cidade-modelo? Modernidade de Brasília não é refletida em infraestrutura

Apesar de nova, Brasília enfrenta problemas semelhantes aos de cidades com séculos de existência

Pedro Canguçu*, Jéssica Eufrásio
postado em 16/06/2019 08:00
O ciclista Juan Lucas Alves sofreu acidente e se feriu ao cair de bicicleta em um bueiro sem tampaPlanejada, moderna e com 59 anos, Brasília foi um sonho que se tornou real. Mesmo considerada um modelo para arquitetos e urbanistas de todo o mundo, a menina dos olhos de JK enfrenta problemas de metrópoles com séculos de existência. A acessibilidade é um deles. As falhas na infraestrutura de uma capital nova e cosmopolita se descortinam a partir do momento em que grupos populacionais ficam privados do direito de ir e vir.

Ao menos uma vez por mês, Eduardo Sousa George, 31 anos, enfrenta esse obstáculo, especialmente com o transporte coletivo. Quase sempre há problemas com as plataformas elétricas para cadeirantes. ;Tem motorista que passa e avisa que não está funcionando. Às vezes, entro na rampa, mas ela não sobe, o que dificulta meu acesso na cadeira de rodas. Nesse caso, a alternativa que me resta é esperar outro ônibus;, conta o morador da Asa Norte.

O transporte por aplicativo, alternativa ao serviço público, nem sempre oferece uma solução. Alguns carros, segundo Eduardo, não acomodam a cadeira de rodas. ;Apesar de ela ser desmontável, há veículos pequenos, que não têm espaço.; O jornalista conta com a ajuda de um amigo que o busca em casa, acompanha no trabalho e, no fim do dia, o deixa na parada de ônibus. O trajeto não é dos mais fáceis. ;Enfrento alguns obstáculos desde a parada até a minha casa. Há pedras na via, buracos na calçada e faltam rampas;, comenta.

A cidade sofre ainda com o desgaste na infraestrutura de outros pontos. Na Rodoviária do Plano Piloto, por exemplo, por onde circulam cerca de 700 mil pessoas todos os dias, escadas rolantes estão constantemente quebradas e elevadores, fora de serviço. Engenheira civil e mãe de Ney Neto, 1 ano, Anna Paula Porfirio Furtado, 26, nem sempre acha fácil atravessar o terminal com o filho em um carrinho de bebê. A superlotação e as áreas bloqueadas por tapumes das obras dificultam ainda mais a passagem. ;Quando o elevador não funciona, preciso descer as escadas com o carrinho em um braço e o bebê, no outro. Tenho problemas de coluna e nem sempre alguém ajuda;, lamenta a jovem.

Moradora da Cidade Ocidental, Anna Paula, que costuma pegar o BRT, reclama do desnível entre a plataforma e o piso dos ônibus. ;Fica difícil segurar o filho e fechar o carrinho. Ele é pesado e, se você não segura na mão da criança, ela pode correr para o meio da pista;, ressalta. ;É um problema geral. Ando muito pela Asa Sul, e não é porque estamos no Plano Piloto que a acessibilidade é melhor;, compara.

Medidas

Outras regiões de Brasília também preocupam. As passagens subterrâneas, criadas para dar segurança aos pedestres que atravessam o Eixo Rodoviário, são alvo de reclamações há anos. As rampas íngremes, a falta de iluminação e o pavimento irregular tornam a travessia um desafio, principalmente para ciclistas, cadeirantes, idosos e pessoas com mobilidade reduzida ou problemas de visão.

Apesar de nova, Brasília enfrenta problemas semelhantes aos de cidades com séculos de existênciaPara o arquiteto Geraldo Nogueira Batista, 80, os problemas da capital federal datam da concepção do projeto. ;É uma cidade que foi preparada pensando em uma cultura rodoviária. As calçadas não são compatíveis com a acessibilidade. Não é uma falha do plano ou dos autores, mas algo que reflete um momento em que a indústria automobilística estava em crescimento;, avalia o morador da Asa Sul.

Embora não enfrente dificuldades de locomoção, Geraldo considera que algumas medidas são necessárias para facilitar o vaivém de quem tem limitações físicas. ;Há alguns impedimentos, devido ao fato de ser uma cidade tombada, mas é possível adotar saídas, como elevar o nível das travessias de pedestres; reduzir a largura das faixas de rolamento para aumentar a das calçadas; e diminuir a velocidade máxima permitida no Eixo Rodoviário;, sugere.

Na ciclovias que cortam as asas Sul e Norte, além da Esplanada dos Ministérios, a falta de manutenção atrapalha. Estudante de arquitetura e ciclista, Juan Lucas Alves, 22, conta que, para transitar na parte sul da cidade, a opção é dividir a calçada com pedestres. ;De toda forma, é difícil, porque, se você anda na pista, os carros não respeitam. Na calçada, é perigoso por causa dos pedestres. Mas essa é a opção que sobra;, pondera.

Há seis anos, o universitário sofreu um acidente. Enquanto pedalava em uma ciclovia, ele passou por um bueiro sem tampa e caiu. ;Saí da estação do metrô e só reparei o buraco a poucos metros de distância. Não consegui frear a tempo. Rachei um dente e cortei o queixo;, recorda-se. Após o ocorrido, ele ficou dois anos sem andar em uma bike. Hoje, cobra soluções. ;É importante terminar a via da Asa Norte, além de fazer sempre a manutenção das faixas e calçadas.;

Três perguntas para

Pastor Willy González Taco ; professor do Programa de Pós-Graduação em Transportes do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB)

O que é preciso melhorar quando o assunto é acessibilidade no DF?
A participação coletiva. Chamar instituições de pessoas com deficiência e ouvir as demandas delas, além de promover audiências públicas nas regiões administrativas, identificar os problemas com a comunidade e chamar as universidades para apresentar uma solução. Temos as melhores normas em relação a isso, mas é preciso mais ação.

Quais ações devem ser adotadas para a criação de políticas públicas?
Levantar dificuldades; estabelecer cronogramas; executar trabalhos; articular com todos os envolvidos para apresentar soluções; trazer a universidade para participar; envolver a imprensa para cobrar o que ocorre; e, por último, fiscalizar.

Que outra saída importante vale destacar?
A questão das novas tecnologias para ajudar a apresentar problemas. Na África do Sul e na França, por exemplo, usam essa medida para solucionar transtornos. A partir de aplicativos, a população apresenta o problema e acompanha o processo de reforma, o que torna o processo colaborativo, uma fiscalização comunitária.


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