postado em 19/06/2019 04:19
A decisão de fazer as malas e deixar para trás família, amigos e a casa onde cresceu nunca é fácil. Mais difícil ainda quando a pessoa é obrigada a sair por circunstâncias alheias à sua vontade. Isso é o que acontece diariamente com milhares de refugiados no mundo todo. Oficialmente, no Brasil, há cerca de 11 mil pessoas nessas condições, mas os números podem ser muito maiores.
Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), atualmente há 26 mil pedidos em avaliação. O último relatório do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) mostra que, entre janeiro e março de 2019, 174 pessoas pediram refúgio no Distrito Federal. A unidade federativa ocupa hoje a quinta colocação entre as que recebem mais refugiados no país, segundo levantamento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur-ONU).
Em muitos casos, são pessoas que, de início, vêm ao Brasil como migrantes e em seguida pedem o reconhecimento como refugiado. O último levantamento anual da OBMigra mostra que, em 2017, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) emitiu 4.801 autorizações de imigrações, das quais a maioria, 1.693, foi para o DF. Senegal, Haiti e Gana são os países com mais pedidos.
Em busca de uma vida melhor, a jovem Emmanuella Mawunya, 14 anos, veio a Brasília em 2014. Ela morava com os pais em Acra, capital de Gana, mas, sem condições de trabalho, a mãe resolveu atravessar o oceano. A adaptação foi difícil. ;Nunca me esqueço de uma situação que vivi no primeiro ano que cheguei. Na escola, uma menina me chamou de macaca. Disse que eu nunca teria futuro por ser negra;, relata. ;Quando cheguei, achei que todos iriam me aceitar, mas aquilo me mostrou que eu teria de enfrentar muita coisa e isso me fortaleceu. Quero que as pessoas que passam por isso, saibam que não estão sozinhas;, relata.
Emocionada, ela tenta conter as lágrimas ao lembrar da terra natal. O português é um idioma novo, mas a palavra saudade faz todo sentido. ;Sinto falta dos meus amigos e da escola. Quando parti, não pude contar a ninguém que estava vindo, perdi contato com todos;. Mas o sangue africano é forte e, junto à mãe, que é costureira, elas estão desenvolvendo uma coleção de roupas e acessórios que serão apresentadas em um desfile organizado pelo Grupo Mulheres do Brasil (veja quadro).
Integrante do grupo e líder do comitê de inserção de refugiados e migrantes, Mônica Álvares explica que o evento é uma forma de ajudar os africanos a ter uma forma de renda. ;Nossa intenção é ajudar migrantes e refugiados na inserção no mercado de trabalho. Os africanos sabem cozinhar, fazem muito artesanato, mas têm dificuldade de vender os produtos e serviços que oferecem;. Por isso, Mônica resolveu organizar o desfile.
Além disso, o shopping Venâncio cedeu uma loja onde os seis estilistas participantes poderão vender as peças e usar como ateliê. Empolgada, Emmanuella diz que esse é o primeiro passo. ;Quero estudar administração e montar uma empresa que possa mostrar um pouco das várias identidades da África;, declara.
Vida difícil
A chegada de venezuelanos tem aumentado desde a crise no país vizinho. Paulo Sérgio de Almeida, oficial de meios de vida da Acnur, explica que muitos ainda não tiveram o reconhecimento do Estado brasileiro. De acordo com levantamento da Polícia Federal, até abril deste ano, 34,9 mil venezuelanos migraram para o Brasil.
Em 2015, Margeri de Viana, 43, pegou os filhos e deixou Caracas, capital venezuelana, com destino ao Brasil. A vida dela mudou completamente. ;Lá, eu era independente. Tinha três lojas de roupa, casa, moto e carro. Éramos uma família de classe média, mas tudo foi ficando mais difícil;, recorda. Ela, o marido, duas filhas e um filho começaram a passar fome, porque não encontravam mais comida.
O companheiro foi o primeiro a vir para Roraima. ;Nós só soubemos quando ele estava no caminho. Eu não queria sair de lá, mas minha filha mais velha estava desnutrida, porque não se alimentava direito;. A família fez as malas e não se despediu de ninguém. Ao reencontrar o marido, Margeri não o reconheceu. ;Estava muito magro, pesava 45kg. Foi difícil. Dormimos no aeroporto até que uma pessoa nos ofereceu abrigo;, emociona-se.
Finalmente, com apoio e a venda de objetos, compraram passagens para Brasília. O grupo mora no Riacho Fundo 1 e está adaptado. Margeri conta que não quer mais voltar ao país de origem. ;Há um ano eu cheguei a voltar, mas não é mais a mesma coisa. Passei oito dias lá. Roubaram meus documentos. Na minha casa venezuelana não há mais nada, porque tudo foi levado;, lamenta. ;Aqui temos tranquilidade e segurança. Meus filhos estudam e estamos conseguindo ajudar outros venezuelanos com o que podemos. Sou a rocha da casa e juntos vamos em frente;.
Desfile de moda africana
; Seis estilistas africanos do Grupo Mulheres do Brasil exibirão 30 peças de roupas e acessórios. Todas as modelos são voluntárias e as peças ficam à venda para o público.
; Quando: 28 de junho
; Onde: Shopping Venâncio ; Asa Sul
; Horário: às 16h
Sem opção
Paulo Sérgio de Almeida, oficial da Acnur, explica que, enquanto o migrante opta por mudar de país buscando melhores qualidades de vida, o refugiado é um deslocado forçado, que não tem a opção de retornar, porque corre risco de vida. Os motivos incluem guerras e questões políticas.