postado em 21/06/2019 04:18
Frio, insegurança e fome. Cerca de 150 pessoas passam o dia e a noite na rua em busca de uma vaga de emprego para salário mínimo em um atacadista da QR 122, em Samambaia. A empresa só começará a receber os candidatos hoje, às 9h, mas, desde quarta-feira à tarde, uma fila começou a se formar na porta do local. O primeiro a chegar levou uma barraca às 12h daquele dia e passou mais de 24h na calçada. Ontem, foi chamado para ajudar na limpeza do estabelecimento, mas de forma temporária. O número de candidatos chegou a dobrar na véspera do dia da seleção, que escolherá 170 pessoas. ;Isso é algo que eu não desejo nem para o meu pior inimigo;, diz Maria de Fátima Barbosa, 64 anos, que guardava vaga para o filho.
A aposentada foi ao Melhor Atacadista na quarta-feira, preparada para dormir dois dias, mas só passou a noite. ;Não consegui fechar os olhos, porque estava muito frio, e eu só tinha uma cadeira e um cobertor. Fiquei acordada, e as horas não passavam, o Sol não nascia. Isso é muito triste, a gente acaba chorando sem querer;, lamentou. O filho, de 26 anos, não ficou no lugar da mãe porque conseguiu um bico como pedreiro. Ele completou o ensino médio, mas não concluiu nenhum curso superior. ;Nós dois moramos juntos, e o que coloca comida na mesa são esses empregos em obras, que não são de carteira assinada. Viemos de Tocantins para Brasília há uns 10 anos porque lá estava difícil, mas aqui também não está nada bom.;
Manuel Soares, 49, estava na fila à procura do básico. Desempregado há oito meses, o morador de Samambaia chegou ao mercado às 8h de ontem, pronto para dormir na rua. ;Tenho experiência como auxiliar de serviços gerais, mas aceito qualquer vaga que aparecer, não posso escolher;, contou. Para ele, a situação de desemprego é pior para quem sustenta a família. ;Quem tem filho, como eu, sofre muito. Tenho dois meninos, e o que nos aperta são as contas para pagar, de água e de luz, e a comida. Falta o que comer lá em casa, mas vou me segurando com os bicos de limpeza e em obras;, afirmou.
Água e lanches
A carteira assinada é o sonho de quem acampa na fila. O gerente do atacadista, Eduardo Petrotchelly, disse que não imaginava a quantidade de pessoas que apareceu em busca das vagas. Para agilizar o processo de seleção de currículos, a empresa faz uma análise prévia dos candidatos hoje e inseriu alguns selecionados em uma lista de entrevistas, na segunda-feira. Serão 40 funcionários na equipe de escolha.
;Essa é nossa primeira unidade no DF, porque as outras duas são em Goiás. Teremos cargos de encarregado de loja, empilhador, operadora de caixa, repositor de mercadorias, limpeza e conservação, por exemplo. É ruim ver esse tanto de gente desempregada, mas estamos fazendo o possível para ajudar, como dar água e lanches;, ressaltou. O mercado tem previsão para inauguração em agosto.
Memória
Luta por trabalho
Há um mês, moradores do Entorno e do DF formaram uma fila de 5 mil pessoas na porta do Supermercado Vivendas, em Valparaíso (GO), que ofereceu 300 vagas de emprego. Idosos, pessoas com filhos de colo e famílias dormiram no chão, com o auxílio de finos colchões e até pedaços de madeira. Em março, uma fila de mais de 1km formou-se em frente a uma construção da nova unidade de uma rede de restaurantes, em Planaltina. Cerca de 2,5 mil pessoas aguardavam para entregar o currículo. Candidatos começaram a chegar à meia-noite no local e dormiram na calçada.