Cidades

Busca por soluções urgentes

O Correio percorreu unidades de saúde do Distrito Federal e consultou especialistas para entender quais são as medidas mais importantes que podem ajudar a resolver problemas do setor. Infraestrutura, distribuição de insumos e profissionais são os principais desafios a serem superados

postado em 23/06/2019 04:19
Sala de espera no Hospital de Taguatinga: 63,5% da população do DF depende exclusivamente do sistema público


Faltam profissionais e as filas de espera para atendimento são longas. A saúde do Distrito Federal encara os mesmos problemas há décadas, e as soluções ainda parecem distantes para os pacientes. A reportagem visitou algumas unidades de atendimento, nas quais ouviu as principais reclamações da população.

Para especialistas, a gestão ineficiente é a principal causa dos problemas observados no atendimento. A Secretaria de Saúde do DF informou que, com a nomeação de 81 profissionais para o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (leia Para saber mais) será possível remanejar servidores para as unidades hospitalares, principalmente para reabertura de leitos fechados. ;A gestão também trabalha no fortalecimento do programa de assistência domiciliar em todos níveis e, consequentemente, com ênfase na desospitalização;, informou a pasta, em nota.

Quem depende do sistema define o tratamento recebido com uma palavra: descaso. Com a filha Giovanna Jesus, 19 anos, internada por seis dias no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), a cuidadora Adriana Helena de Jesus, 50, encontrou uma realidade que se repete em outras unidades de saúde. Até conseguir atendimento para a jovem, foram mais de sete horas de espera. A suspeita na triagem era de que Giovanna estivesse com dengue. No entanto, exames apontaram uma infecção renal.



;O rapaz da triagem disse que era para voltarmos a Planaltina, onde moramos, para sermos atendidas nas tendas (de hidratação para pessoas com sintomas da dengue). Falei que ficaríamos, mas ele disse que o atendimento ia demorar;, contou Adriana, que chegou com a filha por volta das 10h ao hospital. Ela ainda relatou outros problemas como falta de macas, lençóis, cobertores e cadeiras para acompanhantes, além de um furto. ;Não faltaram comida ou remédios, mas estrutura. Os banheiros estavam em péssimas condições, com portas quebradas e vasos entupidos;, detalhou a cuidadora.

Na terça-feira, o pronto-socorro do mesmo hospital estava com quase todas as cadeiras ocupadas e não havia escala de médico afixada para os pacientes. Alguns aguardavam quase 12 horas para serem atendidos. Moradora de Taguatinga, Weliany Carvalho da Silva, 47, foi à a unidade em busca de atendimento para ela e para a filha Anna Beatriz Silva Pires, 16. Hipertensa e diagnosticada com asma severa, a mãe estava com falta de ar e a adolescente apresentava sintomas de pneumonia. As duas chegaram por volta das 13h20 e, às 22h45, ainda não tinham sido atendidas.

Segundo a aposentada, uma servidora chegou a oferecer atestados de comparecimento para quem precisasse. ;Ela disse que só tinha um médico atendendo e cerca de 50 pessoas acabaram indo embora. É um descaso o atendimento da rede pública;, completou Weliany, que pagava R$ 1,8 mil de plano de saúde, mas precisou cancelar o benefício por causa do valor. ;Não pude continuar arcando com a despesa e vim para a rede pública, como cidadã que paga impostos. Mas não recebemos sequer uma previsão de atendimento;, acrescentou.



Demanda

Ao menos 63,5% da população do Distrito Federal depende exclusivamente do sistema público, por não ter acesso a plano de saúde, segundo dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) 2018. A taxa deve ser maior, uma vez que, de 2015 para cá, houve aumento no número de pessoas que ingressaram na informalidade. Em abril daquele ano, o número de indivíduos trabalhando sem carteira assinada no DF era de, aproximadamente, 136 mil pessoas. Em abril último, esse número subiu 14,7%, alcançando 200 mil habitantes.

Apesar dos possíveis impactos das mudanças socioeconômicas, a especialista em gestão de saúde e professora do curso de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Carla Pintas acredita que o aumento da demanda na atenção primária tem mais relação com a maior oferta de funcionários nas unidades básicas de saúde e à falta desses profissionais em hospitais. ;O problema dos planos de saúde ainda é muito pequeno em relação à organização que a atenção primária começou a ter. Há desemprego entre a população e o mercado informal está crescendo, mas não sei se isso justifica o aumento;, avaliou Carla.

Ela considera que a maior parte dos problemas do setor não demanda soluções rápidas ou fáceis de serem executadas. No entanto, para começar a resolvê-los, é necessário recorrer a equipes técnicas, segundo Carla. ;A atenção básica padece de abastecimento, insumos. Precisamos rever os processos de trabalho das unidades básicas, que carecem de atendimento emergencial. Até temos uma gestão hospitalar da saúde empoderada, com muitas ferramentas, propostas de atividades, instrumentos, e podíamos lançar mão disso, mas ainda esbarramos na deficiência de conhecer quanto se tem, quanto se gasta e as reais demandas por insumos;, comentou.

A especialista criticou ainda a transferência da responsabilidade sobre os casos de dengue para a gestão passada e destacou a falta de agentes comunitários de saúde (ACSs) para fazer a ponte entre o serviço e a população. A Política Nacional de Atenção Básica (Pnab), definida pelo Ministério da Saúde, recomenda que cada UBS conte com, ao menos, quatro equipes de Atenção Básica ou de Saúde da Família para atender a uma população de 2 mil até 3,5 mil pessoas.

O arranjo dessas faixas populacionais pode ser alterado pelo poder Executivo das respectivas unidades federativas levando em conta fatores como vulnerabilidades, riscos e dinâmica das comunidades. No DF, segundo a Secretaria de Saúde, há 530 equipes completas (com médico, enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem e ACS), o que corresponde a uma para cada 4,8 mil habitantes.


Para saber mais

Ampliação do modelo

A Câmara Legislativa aprovou a criação do Instituto Hospital de Base do Distrito Federal (IHBDF) em 20 de junho de 2017, na gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB). Em 30 de janeiro de 2019, o governo de Ibaneis Rocha (MDB) trocou o nome do instituto e estendeu a gestão para outras unidades da rede pública. O Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF), agora, é a entidade responsável por gerenciar, além do Hospital de Base, o Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) e as seis unidades de pronto-atendimento (UPAs). A expansão foi aprovada pela Câmara Legislativa, em sessão extraordinária, com mudanças no projeto original, que previa a expansão do modelo para todos os hospitais do DF.


Três perguntas para

Osnei Okumoto,
secretário de Saúde do Distrito Federal

Onde está a raiz dos problemas da saúde do DF?
O que encontramos (de problemas) diz respeito à manutenção predial e aos equipamentos. Havia problemas no teto e de energia que tentamos restabelecer para absorver os equipamentos de alta tecnologia que temos para implantar. Encontramos grande falta de pessoal, de medicamentos e de insumos, que conseguimos restabelecer em grande quantidade. Há um grande problema na realização de exames na rede. A quantidade de exames que não foi executada, muitas vezes, não permitia a realização de cirurgias nem a alta de pacientes. Muitos precisavam do resultado para a conclusão do tratamento ou para retornarem para casa. Por outro lado, temos um grande número de pacientes hospitalizados que poderiam ser tratados em casa. Agora, conseguimos disponibilizar isso para as famílias com empresas que contratamos. Temos aproximadamente100 pacientes que devem deixar os hospitais nos próximos dias e serem tratados em casa com essas equipes.

Como resolvê-los?
É preciso mudar a forma de gestão colocada por meio das regulamentações de portarias e resoluções dentro da Secretaria de Saúde. Elas estão sendo revistas e modificadas para que desburocratizemos nossa gestão, tenhamos segurança no que estamos fazendo e, logicamente, possibilitemos mais agilidade (nos atendimentos). Outra coisa é a questão da informatização. Estamos no processo de aquisição de soluções de informática para que possamos integrar toda a rede, desde a atenção primária até a terciária, de tal forma que tenhamos domínio do que está acontecendo em tempo real dentro de nossa estrutura. Informatização é fundamental, bem como a parte de comunicação da secretaria com a população.

Haverá contratação de agentes comunitários de saúde?
Temos em torno de 1.050 agentes comunitários de saúde. A intenção é que tenhamos mais desses profissionais para que possamos fazer essa interlocução das equipes do Saúde da Família com a população. Eles têm a exigência de ser da região onde atuam, porque têm maior integração com a população, e isso facilitaria (obter) as informações necessárias. Há necessidade de contratação de mais profissionais para que possamos disponibilizá-los na atenção primária. Tivemos diminuição porque alguns foram forçados a sair como agentes de vigilância ambiental. Eles cuidavam mais da questão da dengue e foram deslocados como agentes comunitários de saúde. Pelo desvio de função, a Justiça pediu para que retornassem. Não foi da nossa gestão, mas fizemos a reintegração deles onde foram concursados e, logicamente, tivemos uma perda nessa maquiagem que existia anteriormente. O fortalecimento da estratégia do Saúde da Família é o que queremos e buscamos agora. Tínhamos a premência de fazer a expansão do instituto para as UPAs e para o hospital de Santa Maria. Chamaremos 2.420 profissionais, sendo que 619 estão trabalhando nas seis UPAs. Gradativamente, chamamos toda semana uma quantidade de profissionais. Devemos finalizar até agosto.

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