postado em 28/06/2019 04:06
O que é beloAgora, parece que virou moda depreciar a cultura como se fosse algo supostamente inteligente. Isso só pode prosperar porque o Brasil ocupou os seis primeiros lugares, consecutivamente, no ranking da ignorância na pesquisa Perigos da percepção (Perils of perception), do instituto britânico Ipsos. E, não por acaso, figura também nos últimos lugares no ranking da educação.
Desprezar a cultura não é algo bonito, é sinal de obscurantismo. A intenção da Secretaria de Cultura e de Economia Criativa de retirar verba do Fundo de Apoio à Cultura para reformar o Teatro Nacional não é apenas irregular, mas também atrasada. É a cultura que dignifica uma capital do país.
Isso não é belo; bela é a maneira como Lucio Costa posou Brasília no descampado, como se fosse um arquiteto do Cosmos, segundo o poeta Francisco Alvim. Bela é a estrutura retorcida que Niemeyer inventou na Catedral Metropolitana para fazer um templo-escultura e abrir uma janela para o infinito.
Belas são as noites brasilianas pintadas por Wagner Hermusche, pois parecem um solo de guitarra da Legião Urbana, desencadeando descargas elétricas, que provocam um curto-circuito lírico na paisagem de Brasília.
Belo é ouvir Perdidos no espaço, da Legião Urbana, em um carro nas retas intermináveis de Brasília até estacionar em uma nuvem. Belo é o show de Tereza Lopes no projeto Feijoada com Samba no Espaço Cultural do Choro. Belo é ver Reco do Bandolim em estado de êxtase com um show no mesmo Espaço do Choro: ;Coisa de louco, coisa de louco!”.
Belo é o verso minimalista contundente de Chico Alvim, como se fosse um Dalton Trevisan do Lago Norte (;argumento: mas se todos fazem;), belo é o poema de Nicolas Behr sobre o cerrado (;Nem tudo que é torto é errado/Vejam as pernas de Garrincha/e as árvores do cerrado;.
Bela é a cadeira Athos Bulcão, criada por Danilo Vale, com signos geométricos e vazados. Brasília é considerada pela Unesco Cidade Criativa do design. Belo é o filme Nietzsche na Ceilândia, de Fáuston da Silva, que brilhou em festivais internacionais. Bela é a festa no céu pintada por Galeno na Igrejinha da 308 Sul.
Belo é ouvir o batuque do grupo de mulheres Batalá no estacionamento do Parque da Cidade ou o Patubatê em algum evento. Bela é a bateria da Aruc tocando no sarau de sétimo dia de Reinaldo Jardim: ;Quero morrer numa batucada de bamba;.
Bela é a cidade-tótem construída por artistas ou amantes da arte no Planalto Central para celebrar a nobreza modernista brasileira, uma nobreza da inteligência, da invenção, da elegância, da generosidade, da cultura e do humanismo.
Belo é assistir a um show de Hamilton de Holanda no Clube do Choro, como se fosse um Jimi Hendrix do bandolim. Belo é ver na internet a performance memorável que rendeu o prêmio de Melhor guitarrista no festival de Montreux a Pedro Martins em 2015, quando o garoto do Gama tinha 22 anos. Ele só pôde viajar para Montreux graças a um programa de incentivo do FAC. Por favor, mais amor à cultura de Brasília.