Cidades

Crônica da Cidade

postado em 30/06/2019 04:22
O colapso da Rodoviária

Como se sabe, eu sou um usuário. Não disso que vocês estão pensando, mas do transporte público de Brasília. Quase todos os dias, passo pela Rodoviária. Assisti a muitos acontecimentos engraçados, dramáticos e insólitos. Vi performances de palhaços que são verdadeiros artistas dentro dos ônibus: ;Eu te conheço de algum lugar. Ah, já sei, é da penitenciária. É do tempo em que passei na Papuda;.

Certa vez, me deparei com 10 sujeitos espancando um e chamei a polícia. Em outra, quando pensava que Brasília não tinha carnaval, ao descer do ônibus, trombei com um grupo que tocava os clássicos da folia. O trombone dizia: ;Ô abre-alas ,que eu quero passar;. E a clarineta respondeu: ;Eu sou da Lira não posso negar;.

Mas, depois do desabamento do viaduto próximo à Feira dos Estados, do susto com a Ponte JK e dos relatórios sobre a vulnerabilidade de outros equipamentos públicos do Plano Piloto, o alerta foi ligado. Não é preciso ser engenheiro ou técnico para saber que os equipamentos públicos do Plano Piloto estão com prazo de validade vencido.

Por isso, não surpreende que os técnicos da Novacap tenham detectado infiltração, corrosão e fissuras que poderiam provocar o colapso estrutural no espaço onde passa um fluxo de 700 mil pessoas. Se isso ocorresse, a tragédia seria de grandes proporções.

O descaso com a estrutura física é sinal de um desapreço maior com toda a região central do Plano Piloto. Aquele setor, concebido com muito desvelo por Lucio Costa, encontra-se totalmente depreciado. O Conic sobrevive apenas pela garra e tenacidade dos alunos da Faculdade Dulcina, que se mobilizaram, promoveram um movimento e fizeram uma ocupação cultural do espaço.

A Rodoviária passa por um processo de degradação há muito tempo. Com o descaso, se viu ameaçada pela criminalidade e tornou-se um lugar muito inseguro, principalmente à noite. A Rodoviária merecia um tratamento digno de sua relevância. É, ao lado da Torre de TV, o único projeto arquitetônico do criador de Brasília, Lucio Costa.

No livro O risco ; Lucio Costa e a utopia moderna, que reúne depoimentos do filme de Geraldo Motta Filho, sobre Lucio Costa, o arquiteto Ciro Pirondi afirma que o vazio de Diamantina foi a grande inspiração do urbanista criador de Brasília. E a Rodoviária seria a concretização desse pensamento. ;É um exemplar único, maravilhoso. Ali, ele fez o que todo arquiteto deseja fazer: o não edifício;.

Pirondi comenta: é uma aula de como realizar um edifício resolvendo toda a articulação da cidade: ora some, ora aparece, e você chega sem saber que chegou: ;Assim é a rodoviária, por isso ele fez tanta questão de desenhá-la - é um projeto seu. Não queria uma obra que fosse ;o edifício;, competindo com as edificações belas ali ao lado ; a Catedral, o Teatro Nacional, ou o próprio Eixo Monumental, que faz a linha transversal e longitudinal da cidade. Ela é uma permanente fonte de inspiração para nós;.



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