Cidades

Artigo: Garantismo à brasileira

Reflexões sobre o passado, presente e futuro do ministro Sérgio Moro

Plácido Fernandes
postado em 03/07/2019 00:56
Reflexões sobre o passado, presente e futuro do ministro Sérgio MoroDepois da descoberta de que houve manipulação na edição de vários dos diversos diálogos atribuídos ao então juiz Sérgio Moro e a procuradores da Lava-Jato, fica no ar uma enorme interrogação: mesmo assim, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão insistir em usar as mensagens, supostamente obtidas de forma criminosa, sem certificação de autenticidade e, portanto, juridicamente ilegais, para punir Moro, anular processos da maior operação de combate à corrupção já deflagrada no Brasil e livrar da cadeia condenados em até três instâncias da Justiça? E se, depois da campanha contra Moro e a Lava-Jato, os alvos do ataque forem ministros do STF? O cibercrime terá as portas abertas para atuar livremente no país? Seremos, legalmente, a república dos hackers e dos arapongas? Iremos aplaudir criminosos cibernéticos como guerreiros do povo brasileiro?

A situação é grave. Se o Judiciário tem hoje alguma credibilidade no país, todo mundo sabe que se deve sobretudo à atuação implacável do então juiz Sérgio Moro e da Lava-Jato, a operação da qual virou um ícone. Para brasileiros leigos, o que os diálogos revelam é um magistrado empenhado em não deixar criminosos impunes. Entre os que muito entendem de direito, de ministros do STF a juristas, há opiniões divergentes. De um lado, os que não veem nenhum crime na conduta de Moro, mesmo se forem usadas contra ele as mensagens suspeitas de terem sido obtidas de forma ilícita e, por isso, ilegais. Do outro, que também inclui ministros do STF e juristas, estão os que defendem a punição ao ex-juiz e a soltura dos condenados pela Lava-Jato, com base na tese de que, para beneficiar o réu, valem até mesmo mensagens ilícitas.

De forma geral, a sociedade já percebeu: há um grupo de juízes que parece estar sempre do lado do bandido do colarinho banco e das grandes bancas advocatícias. Em sua maioria, esses magistrados costumam ser classificados como "garantistas". É a turma que pode colocar o Brasil na contramão de todo o mundo civilizado, caso consiga acabar com a prisão em segunda instância. Se esse grupo for vitorioso, nenhum criminoso cheio de dinheiro, ainda que roubado das escolas, dos hospitais, das estradas e da segurança pública, será preso no país sem que se esgotem todos os recursos possíveis e imagináveis no Supremo. Ou seja: nunca. É essa a turma disposta a punir Moro, ainda que à custa de provas ilícitas e sem autenticidade validada.

Historicamente, as garantias individuais, a defesa dos direitos humanos e da igualdade de direitos perante à lei são uma bandeira dos liberais. Foram usurpadas politicamente por socialistas -- e até comunistas, que nunca as respeitam quando chegam ao poder -- e hoje são empregadas de forma distorcida para evitar a prisão de bandidos do colarinho branco. Na prática, deveriam significar a garantia de um julgamento justo a qualquer cidadão, seja quem for, acusado de cometer um crime, com direito à defesa e ao devido processo legal, em pelo menos duas instâncias da Justiça.
O garantismo à brasileira, no entanto, é praticamente a garantia de que o bandido de colarinho branco, por maior que tenha sido o crime cometido, jamais irá para a cadeia. Moro e a Lava-Jato ousaram condenar bandidos que se apropriaram do Estado brasileiro e o saquearam como nunca antes na história do país. É por isso que querem puni-lo. Se fosse pelos diálogos, os procedimentos seriam outros bem diferentes. Teriam como base a lei, não conteúdos supostamente obtidos de maneira ilícita e ainda manipulados para causar impacto em redes sociais.

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