postado em 23/07/2019 04:23
Nos tempos em que estava vivo, Rubem Braga era completamente avesso a entrevistas. Mas agora que está do outro lado da vida, ele apareceu e concedeu uma entrevista mediúnica exclusiva para esta coluna. Fala, Braga!
Quando estava vivo, você não gostava de entrevistas. Por que resolveu aparecer assim, tão abruptamente?
O pior dos mortos é que nunca telefonam. Aparecem sem avisar, sentam-se numa poltrona e começam a falar. Tocam em assuntos que já deviam estar esquecidos e fazem perguntas demais. Subitamente, fazem silêncio. Esse silêncio confrangedor. O morto tem um ar de queixa e, ao mesmo tempo, um invisível sorriso de superioridade.
Você se orgulha de ser chamado de sabiá da crônica?
Preferia ser um urubu, ave pesada e mais triste.
Em Brasília, só se fala em política. Como definiria essa atividade?
Fazer política é namorar homem.
E como definiria os políticos atuais do Brasil?
Homens públicos sem sentimento público, homens ricos que são, no fundo, pobres-diabos que não descobriram que a grande vantagem real de ter dinheiro é não ter que pensar, a todo momento, em dinheiro...
O que pensa dos que vendem a alma ao diabo por causa da política ou do poder?
No fundo, talvez não seja um bom negócio vender a alma. A alma, às vezes, faz falta.
Depois de morto, você continua frequentando a cobertura em que morava em Ipanema?
Vivo aqui sozinho. Eu e Deus. Comprei o apartamento, pago o condomínio e Deus não deixa o edifício cair.
Você é tido como caboclo bravo.Isso é verdade ou é apenas uma proteção para afastar os chatos?
Não sou cangaceiro por motivos geográficos e mesmo por causa do reumatismo.
Ser cangaceiro é uma vocação ou um destino?
Todos os homens pobres do Brasil são lampõezinhos recalcados.
Que tipo de esnobismo te irrita?
Não há nada mais hipócrita e confrangedor para um homem de bem do que chamar queijo de ;fromage; ou ;cheese;, quando está vendo que é queijo mesmo.
Você continua escrevendo ou se aposentou?
Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas ainda em bom estado de funcionamento.
Como vê as reformas em benefício da indústria nacional?
A indústria nacional, que nunca foi protegida, é a indústria humana, de fazer gente.
Que sinais vislumbra da chegada do verão pela reação das mulheres?
Estremecem-se, de súbito, defrontam um gato; são assaltadas por um remoto desejo de miar; ao cair da tarde, ronronam para si mesmas.
Você costuma assustar os vivos com suas aparições?
Eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis.