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Distantes do lazer

Último capítulo da série sobre como a falta de ônibus afeta a população das áreas rurais do DF mostra a dificuldade dos moradores em ter acesso ao entretenimento e à cultura. Secretário de Transporte anuncia medidas para melhorar situação ainda este ano

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 25/07/2019 04:06
Último capítulo da série sobre como a falta de ônibus afeta a população das áreas rurais do DF mostra a dificuldade dos moradores em ter acesso ao entretenimento e à cultura. Secretário de Transporte anuncia medidas para melhorar situação ainda este ano
Assegurados pela Constituição, os direitos ao lazer e à mobilidade andam juntos quando se trata dos habitantes dos núcleos rurais. Com a concentração dos espaços de cultura e entretenimento em áreas centrais, os moradores das zonas periféricas dependem de transporte de qualidade para usufruir desses locais. Caso contrário, além de a qualidade de vida dessa população ser prejudicada, a disparidade social entre a cidade e o campo tende a se acentuar ainda mais.

Pesquisa da consultoria especializada JLeiva, divulgada em 2018, investigou hábitos culturais em 12 capitais, incluindo Brasília. A intenção do documento era mostrar uma ampla visão da identidade cultural no país, ao revelar o percentual de pessoas que, nos 12 meses anteriores ao levantamento, haviam realizado alguma atividade cultural. Entre os brasilienses, os hábitos mais comuns são a leitura (mencionada por 68% dos entrevistados) e o cinema (64%). Já outros tipos de evento foram usufruídos por menos da metade da população, como shows musicais (46%), festas populares (42%), museus (31%), teatro (31%) e concertos (11%).

O estudo não diferencia o acesso de moradores de áreas rurais e urbanas. Mas, pelos relatos colhidos nos núcleos visitados pelo Correio para a série Rodas para crescer, é possível imaginar índices muito mais baixos se o mesmo levantamento for feito nessas regiões. Para os moradores desses lugares, sair de casa para trabalhar ou ir ao hospital já é um desafio. Deslocar-se para uma atividade de lazer ou cultura, então, torna-se um luxo do qual muitos nem tentam usufruir, como conta a faxineira Josilene Gonçalves, 32 anos, cuja casa, no Capão Comprido, em São Sebastião, fica a 6km da parada de ônibus.

;No fim de semana, a gente evita sair de casa;, diz. Sem um transporte de qualidade, Josilene não tem acesso ao lazer ou à cultura. Depois de vencer os 6km até a parada, ela ainda está a 25km do cinema mais próximo e a 22km do Centro Cultural Banco do Brasil (veja arte), que oferece à população uma série de possibilidades de entretenimento, incluindo exposições gratuitas.

Impacto econômico
A escassez de transporte prejudica também a economia local. O empresário Sebastião Gontijo, 72 anos, criou um clube repleto de churrasqueiras e piscinas que funciona todos os dias da semana às margens da Rodovia DF-290. O local poderia ser uma boa opção de lazer para os moradores da Ponte Alta, no Gama, mas Gontijo diz que grande parte da clientela em potencial é afugentada pela falta de ônibus. ;Só vem para o clube quem tem carro próprio ou pega carona. De ônibus, ninguém vem. Não tem regularidade a situação do transporte aqui. Não pode contar que vai passar tal horário;, lamenta.

Para a especialista e professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG) Débora Ferreira da Cunha, regiões mais isoladas, como núcleos rurais, são ainda mais desprovidas de serviços básicos. ;A população desses locais é privada do acesso à cidade e às oportunidades que a cidade oferece, como lazer e outros serviços essenciais;, avalia. ;É uma lógica capitalista do espaço, que centraliza serviços no meio urbano.;

Joaquim José Guilherme de Aragão, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), a oferta de transporte para a população rural é uma responsabilidade do governo. ;Soluções existem. O governo pode delegar, mas o serviço público tem que existir. Ele não pode cruzar os braços com a situação da população;, completa.

Segundo o secretário de Transporte e Mobilidade do DF, Valter Casimiro, uma nova licitação, que prevê subsídio governamental para as linhas que não são economicamente atraentes para as empresas deve ser lançado em breve. A medida, acredita, trará melhorias em breve para o transporte das áreas rurais. ;O governo entende que precisa atender a essas áreas;, assegura (leia entrevista nesta página).


>> entrevista Valter Casimiro Silveira, secretário de Transporte


Melhoria ;em três ou quatro meses;

Quais são as maiores dificuldades para a implementação de ônibus nas zonas rurais do DF?
O principal problema é a falta da tarifa técnica. O sistema de transporte coletivo urbano de Brasília passou a ser paga dessa forma, mas não houve a implementação no transporte rural. No caso urbano, nos ônibus que carregam poucos passageiros, mas são necessários, o governo subsidia um valor para que as empresas continuem atendendo aquelas áreas. Na zona rural, ele ainda é financiado pela tarifa usuário, e muitos permissionários desistiram de fazer essas linhas por falta de interesse comercial, deixando muitas áreas desassistidas.

Há previsão para levar a tarifa técnica para as linhas rurais?
Estamos preparando uma nova licitação nos moldes das tarifas técnicas para que toda a população rural possa ser atendida. O governo entende que precisa atender a essas áreas. Tem muito estudante que precisa ter esse transporte, também tem no período noturno. Lançaremos nas próximas semanas um edital para a contratação de novas linhas rurais utilizando a metodologia. Onde há necessidade de ônibus para a zona rural, vamos colocar linhas, independentemente de ser economicamente viável ou não. A licitação tem várias fases, e acredito que, em três ou quatro meses, poderemos melhorar esse transporte.

De março para julho deste ano, o número de linhas rurais diminuiu de 36 para 30. E a redução de veículos foi 69 para 49. Por que isso acontece?
Essa renovação já estava prevista nos contratos. Foram feitos contratos de 10 anos, e aqueles permissionários que atendiam a todo o requisito legal foram prorrogados. Aqueles que não atendiam foram cancelados. O que foi possível passar para outros operadores, fizemos. Mas, o que não foi possível, estamos licitando.

Quais são os maiores desafios do transporte no Distrito Federal?
Brasília tem uma característica diferente das demais capitais, porque praticamente toda a atividade empresarial, comercial, governamental fica concentrada em um único ponto, que é o Plano Piloto. Muitas regiões administrativas são só dormitórios. O usuário pega o ônibus de manhã e vem para o centro. Você tem uma grande quantidade de ônibus indo para o Plano na parte da manhã e, depois, no sentido contrário (no fim do dia). Nesse meio período, esses ônibus não circulam porque não há demanda. O ideal é que tivéssemos linhas locais funcionando com toda a estrutura já disponível, BRT, metrô... Se tivéssemos esses outros modais funcionando, poderíamos distribuir ônibus nas cidades com maior frequência, dando conforto ao usuário, que não pegaria ônibus lotado concorrendo na pista com veículos de passeio. A integração melhora todo o sistema de transporte.

Como implementar a integração?
A parceria com o metrô é uma das medidas. Precisamos aumentar a frequência e dobrar a quantidade de trens operando em horários de pico para melhorar a integração entre BRT, metrô e transporte coletivo. Falando assim, parece simples, mas depende de obras de infraestrutura, melhora do sistema de controle e, principalmente, do controle de segurança.

A integração ajudaria as pessoas da área rural?
Não só o pessoal do campo, mas do Entorno também. Isso a gente tem discutido com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), para que possamos utilizar corredores exclusivos, integração com o Entorno etc.

E de que forma a extinção do DFTrans, feita pelo governador Ibaneis Rocha, pode impactar nessa questão?
O DFTrans tinha um corpo técnico qualificado, que passa a ser da Semob-DF. Os técnicos vão continuar fazendo todo o controle de linhas, horários do transporte coletivo e disponibilização de ônibus. A principal mudança é no sistema de bilhetagem, que vai para o BRB. A nossa visão de passar para uma instituição financeira é de que ela tem know-how para fazer o sistema de bilhetagens. (DF)




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