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Crônica da Cidade

Talentos do Paranoá

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 25/07/2019 04:07
Em meio a tantas notícias depressivas, um sinal alentador no caos: quatro estudantes do Paranoá foram selecionados para estudar com bolsa de especialização em uma das mais importantes escolas de música da França: o Conservatoire à Rayonnement Régional de Rouen. São eles: Elissandra de Souza, Talia da Silva, Luan Almeida e Samuel Araújo.

Na verdade, os rapazes moram no Paranoá e as moças, em Itapoá, duas cidades que figuram com destaque nas estatísticas das mais violentas do DF. Mas, graças a políticas de acesso como o Enem, todos os quatro estudam na Universidade de Brasília. A maioria passou pela Escola de Música de Brasília. Todos saíram do projeto Música e Cidadania, comandado pelo maestro Valdécio Costa, militar da reserva, na Casa da Música do Paranoá.

O projeto mostra que música e cidadania têm uma conexão direta. Eles entraram com um perfil e se tornaram pessoas diferentes, com novas perspectivas profissionais e de vida. O projeto abriu várias portas, ofereceu oportunidades. Primeiro, foram aprovados na Escola de Música de Brasília. E, em seguida, na UnB. Os quatro vivem da música.

Samuel Araújo, 21 anos, diz que o Paranoá é uma das comunidades mais abandonadas por sucessivos governos. Não tem teatro, não tem cinema ou outras opções de cultura e lazer: ;Vi vários amigos entrarem na criminalidade ou caírem no subemprego. Então, esse projeto é um acontecimento no Paranoá. Toco contrabaixo, que é um instrumento erudito, a que nunca teria acesso sem o projeto;.

O projeto não tem como finalidade formar grandes músicos. A prioridade é formar grandes cidadãos. No entanto, a arte sopra onde quer. Ela tem o poder de deflagrar transformações. Mudou a vida de Talia, que era aluna e se tornou professora de Música e Cidadania: ;A minha vida era difícil, mas quando expressei os meus sentimentos pela flauta, tudo mudou. Tornei-me uma pessoa mais feliz. Passei a olhar para os meus problemas de uma maneira diferente e a ter uma postura construtiva em relação à minha vida;.

Talia observou mudanças também nos alunos. Entraram com a intenção de tocar um instrumento, mas foram muito além. Começaram a ajudar uns aos outros: ;Diziam, tenham paciência, se não aprender a tocar devagar, não aprenderá a tocar rápido. Elas passaram a ter um cuidado com as outras. As pessoas são transformadas sem perceber, com o carinho e o amor;.

Foi uma alegria muito grande serem selecionados para estudar na França. Mas, agora, começará outra batalha. Eles precisam levantar dinheiro para bancar a passagem, a estada, as refeições e as despesas com documentos.

O gamense Pedro Martins, que ganhou o prêmio de melhor guitarrista do Festival de Montreux em 2015, viajou com dinheiro do Fundo de Apoio à Cultura. Se não estivesse travado no Tribunal de Contas, pela recusa da Secretaria de Cultura em honrar o compromisso, o FAC poderia ajudar as meninas e os meninos do Paranoá a chegar à França.

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