Cidades

Trabalhadores noturnos contam suas estratégias para se proteger do frio

Com temperaturas mínimas abaixo de 10ºC, o inverno de Brasília dificulta a rotina de quem cumpre expediente durante a madrugada. Feirantes, frentistas e vigilantes contam como fazem para se aquecer nesse período

Bruna Lima
postado em 26/07/2019 06:00
Na madrugada gelada de trabalho, o companheiro é o café quente. Para sair da guarita e fazer as rondas ao relento, toda cobertura é válida. Meias grossas, botas, blusa de manga comprida, jaqueta e boné ; que mais serve para esquentar as orelhas do que proteger o rosto dos primeiros raios de sol. Há 12 anos, essa é a rotina do vigilante noturno Eliézio Costa Silva, 36 anos. Acostumado a espantar o sono durante o silêncio das 12 horas de vigília na escola pública da Asa Norte, o trabalhador continua refém de algo que nunca poderá controlar: a temperatura. O mesmo ocorre com diversos ofícios, como feirantes, motoristas de ônibus, frentistas e outros que cumprem a labuta na madrugada.

As mínimas, que ao longo da semana chegaram a 14;C, voltaram a diminuir nesta quarta-feira (25/7), quando os termômetros registraram 10;C. A tendência é de que o frio incomode ainda mais no fim de semana, principalmente durante as madrugadas e o início das manhãs, podendo variar entre 8;C e 10;C. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o trimestre de junho a agosto é, historicamente, o mais gelado da capital.

;Já passei frio esquisito, mas, com a rotina, o corpo parece que acostuma. Ou é a gente que fica mais esperto e está sempre coberto da cabeça aos pés;, reflete Eliézio, que, mesmo se preparando para enfrentar as baixas temperaturas da noite, especialmente no inverno, considera o clima de Brasília imprevisível. ;O tempo surpreende. Uma hora faz muito mais frio do que os outros dias e, depois, o Sol esquenta tudo muito rápido;, avalia.
Além de roupas pesadas, o vigilante Eliézio recorre ao café quente para vencer as madrugadas geladas

O céu sem nuvens e a passagem periódica de massas de ar frio no Centro-Oeste durante esta estação explicam as oscilações das mínimas e o rápido aumento de temperatura durante a tarde. ;As frentes frias conseguem subir mais pelo continente e atingir a área central. Sem nuvens, o Sol incide mais diretamente e esquenta a superfície. No entanto, o calor se dissipa facilmente e, durante a noite, há grande queda de temperatura pela perda radiativa;, explica a meteorologista do Inmet Naiane Araújo.

Cuidados

Quem acaba sentindo mais essa variação de temperatura durante o expediente é o colega que assume o posto de Eliézio. No trajeto para o trabalho, o vigilante Marcelo Batista, 35, assiste ao nascer do Sol. Para estar na escola da Asa Norte, sai da cama por volta das 5h e vai direto para a ducha gelada. ;É para dar um susto e acordar. Assim, quando sai para a friagem, o corpo está preparado;, justifica o hábito, que vem desde a juventude.

A técnica não é a única seguida por Marcelo. Uma rotina de exercícios e a atenção em se agasalhar nos ambientes externos ajudam o vigilante a não adoecer com o frio e as mudanças abruptas de temperatura. ;A gente precisa estar bem para conseguir ficar atento no trabalho;, alega.

As baixas temperaturas, típicas da estação mais fria do ano, fazem com que aumentem doenças virais como a gripe. De acordo com o médico infectologista Alberto Chebabo, tomar cuidados básicos é a chave para o controle. ;Manter os ambientes arejados, uma alimentação saudável, se hidratar e estar com a vacinação em dia são medidas importantes para não contrair gripe e diminuir a circulação do vírus;, diz.

Mesmo assim, a produtora rural e feirante Ivanete Alves, 50, pegou um resfriado por causa da friagem. Com remédios e se agasalhando, ela se recuperou rápido para se dedicar à rotina. Em dia de feira, ela acorda às 2h e sai com o caminhão carregado de legumes do Núcleo Rural Taquara, em Planaltina, para estar na Ceasa às 4h. ;É um frio de cortar, ainda mais saindo da chácara. Quando chega à Ceasa, a gente tem de esperar abrir, no estacionamento descampado. Então, é horrível nessa época do ano. O que salva é estar bem protegida, inclusive as mãos e as orelhas, e também o chazinho e o café que algumas senhoras vendem nesse horário;, conta Ivanete, que usa blusa térmica e o casaco que comprou no Chile, quando visitou aquele país em época de neve.

Mesmo depois de amanhecer, a produtora conta que demora um pouco mais tirar o casaco, pois o galpão é alto e arejado. ;O pessoal que fica empurrando os carrinhos o dia todo acaba esquentando mais rápido. Mas quem anda menos é bom ter os agasalhos sempre em mãos;, aconselha.

Seca

A frentista Rafaela Lins, 21, é outra trabalhadora que sofre com a friaca. Há pouco mais de um mês contratada em um posto de gasolina da Asa Norte, é ela quem abre o estabelecimento, às 6h. ;Preciso acordar às 3h40 para pegar o ônibus de Planaltina e conseguir chegar a tempo. A pior parte é atravessar a pé, do Eixo L até as 400. É extremamente gelado, e uma experiência ainda nova para mim;, afirma. Apesar da dificuldade em lidar com as baixas temperaturas, Rafaela se sente privilegiada no trabalho. ;Fiquei desempregada e é muito difícil. Preciso desse dinheiro para começar a faculdade de pedagogia. Mas mal posso esperar para dar uma esquentada;, reconhece.
A frentista Rafaela Lins usa casaco grosso para enfrentar o frio desta época do ano: à espera do calor

A previsão do Inmet é de que somente na segunda quinzena de agosto o tempo comece a esquentar novamente. A partir daí, o cuidado com a hidratação deve redobrar, porque é justamente neste período que o frio dá lugar a outro fator que modifica a vida do brasiliense: a seca.

Friaca

5,7;C: Temperatura mais fria do ano, registrada pelo Inmet em 7 de julho;

1;C: O recorde nos termômetros é de 10 de junho de 1985;

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação