Cidades

Ganho social compensa custo

postado em 30/07/2019 04:07
Estação Bernardo Sayão, no Núcleo Bandeirante: mesmo na área urbana, estrada de ferro está longe de usuários

Mas se os projetos ferroviários geralmente apresentam baixa (às vezes, nenhuma) viabilidade financeira, por que os governos deveriam investir recursos escassos dos orçamentos neles? Aí entra a questão social (leia O que diz lei).

;São os benefícios sociais que justificariam a implementação desses projetos. No caso ferroviário, há muitos benefícios que não são computados nas análises financeiras que justificariam a inversão de recursos por parte da sociedade (governos);, explica Carlos Henrique R. Carvalho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), engenheiro civil e mestre em engenharia de transportes.

Carvalho lembra que morrem mais de 40 mil pessoas por ano em acidentes rodoviários no Brasil. Os acidentes ferroviários são extremamente raros e praticamente não há registros de mortes quando ocorrem, o que justificaria esses investimentos do ponto de vista de redução dos danos do sistema de transporte brasileiro.

;O Ipea estimou em cerca de R$ 50 bilhões por ano o custo dos acidentes de trânsito no Brasil. Se houvesse uma redução pela metade das mortes por ano pela substituição das viagens rodoviárias pelas ferroviárias, por exemplo, poder-se-ia viabilizar investimentos superiores a R$ 200 bilhões em ferrovias em 10 anos;, pondera o especialista.

O pesquisador explica, ainda, que os ganhos ocorreriam no campo da logística. ;O Brasil tem alto custo logístico (superior a 10% do PIB) em função do transporte de carga ser concentrado nas rodovias. Os países com menores custos logísticos do mundo (inferiores a 7% do PIB) são justamente aqueles que apresentam melhor equilíbrio na sua matriz modal, com maior participação ferroviária e hidroviária no transporte dos bens consumidos e exportados. Por isso é importante a presença do estado nesses investimentos.;

No caso urbano, os investimentos nos sistemas metroferroviários chegam a custar 10 vezes mais do que os sistemas rodoviários, mesmo os de alta capacidade (sistemas BRT). Assim os políticos acabam preferindo investir nesses sistemas mais baratos e com implementação mais rápida. ;O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da Mobilidade por ocasião da Copa do Mundo (de 2014) mostrou claramente essa preferência por parte dos prefeitos das capitais contempladas;, afirma Carvalho. O DF investiu R$ 704,7 milhões no BRT entre Santa Maria e a Rodoviária do Plano Piloto. A obra foi inicialmente contratada por R$ 587,4 milhões

O especialista diz que, geralmente, trens de passageiros de alta velocidade competem com o transporte aéreo. Assim, quando esse sistema está saturado e necessita de ampliação de aeroportos, discute-se como alternativa a ligação ferroviária de alta velocidade. ;Em São Paulo, por exemplo, já se discute a construção de um terceiro aeroporto, e a alternativa seria a linha de trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. Mas esse não é o caso da ligação Brasília-Goiânia, pois essa ligação aérea é de baixa demanda em relação a outras ligações de capitais brasileiras;, finaliza Carvalho.

Palavra de especialista

Planalto nos trilhos

Embora virtualmente todos os autores que se debruçaram sobre o tema sempre tenham afirmado a indissociabilidade entre mobilidade e planejamento urbano e/ou regional, o mundo real impôs a lógica sequencial do ;prever e prover;: a infraestrutura e os serviços de transportes são dimensionados para atender a uma demanda que de existe ou está na iminência de existir. É como se o que há de mais nobre no planejamento tivesse sucumbido à arte de remediar.

Essa forma de atendimento à demanda é marcadamente característica de sistemas de transporte sobre pneus, cujos veículos, na grande maioria dos casos, compartilham a infraestrutura rodoviária com outros modos (vias exclusivas, como as de BRTs, são exceções que confirmam a regra, principalmente nas ligações interurbanas). Sistemas ferroviários costumam ser de outra natureza ; por implicarem altos investimentos iniciais em infraestrutura, costumam cumprir um papel mais estruturante das ocupações do que responsivos às demandas.

Em um país como o nosso, de pouca tradição em planejamento, a infraestrutura instalada, ainda que requerendo algum tipo de adequação para entrada em efetiva operação, é um ativo cuja não utilização constitui grave caso de desperdício de recursos públicos. Por outro lado, a tradição brasileira é forte no rodoviarismo ; o que pode ser explicado segundo a lógica acima exposta.

Somado à escassez de fontes para investimentos, não há o que justifique a não utilização da infraestrutura ferroviária entre Brasília e Luziânia para o deslocamento da população que faz esse trajeto de carro ou ônibus. É uma iniciativa que requer muito pouco para o benefício capaz de gerar. Uma segunda etapa, com um esforço um pouco maior de implantação, poderia contemplar a ligação com Goiânia, fomentando uma mudança muito salutar de hábitos de viagem no coração do Planalto Central.

Paulo Cesar Marques da Silva Professor do Dep. de Engenharia Civil e Ambiental da UnB

Leia amanhã: Enquanto o DF insiste em retomar viagem entre Brasília e Luziânia, Goiás aposta em trens turísticos


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