Cidades

Clínicas do Entorno mantinham pacientes isolados e acorrentados

Pessoas em tratamento no Entrono de Brasília eram amarradas, acorrentadas e ficavam sem contato com a família. Cinco pessoas foram presas

Isa Stacciarini
postado em 01/08/2019 17:27
Promotores e equipes de saúde constataram ambientes insalubresDonos de três clínicas de tratamento de dependentes químicos em Cristalina (GO), Entorno do Distrito Federal, foram presos em uma operação do Ministério Público de Goiás. Eles são suspeitos de manter ao menos 96 pessoas em cárcere privado. Com uso de cadeados, correntes e estruturas de celas, as vítimas eram amarradas e até dopadas com remédios. A responsabilidade pela alimentação e por fornecer itens de higiene pessoal era transferida aos familiares. Ao todo, cinco pessoas acabaram presas em flagrante.
Titular da 2; promotoria de Justiça de Cristalina, o promotor responsável pela operação, Ramiro Carpenedo Martins Netto, frisou que as pessoas vulneráveis, sem família, não recebiam alimentação e os cuidados necessários. "A estrutura que encontramos era semelhante a uma prisão", frisou.
Ele também enfatizou que pacientes sem transtorno psíquico ou dependência química comprovada eram mantidos nos estabelecimentos. "Essas pessoas eram resgatadas da rua e os donos dos estabelecimentos sacavam o benefício previdenciário para utilizar como mensalidade e elas (vítimas) eram privadas de ter contato com a família", reforçou. "As pessoas ficavam trancadas", acrescentou.
Médicos, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros do município participaram da operação. Eles começaram a ouvir o relato das 96 pessoas mantidas nesses estabelecimentos. "Esses lugares não poderiam ser clínicas de reabilitação e, se fossem comunidades terapêuticas, teriam de estar com as portas abertas, sem grades, cadeados ou obrigação de esses pacientes estarem ali contra a vontade deles", destacou o promotor.
Na Receita Federal, esses estabelecimentos estavam registrados como clínicas de reabilitação.

Depoimentos

Em depoimento, mais da metade das vítimas contou que estava sendo mantida nos locais contra a vontade delas e, segundo o processo, mais de dois terços acabaram internadas sem prévia avaliação médica. Em um quadro em uma das clínicas promotores encontraram escrito o pedido de "me tira daqui".
Em quadro, vítimas pediam por socorro

Além disso, os promotores constataram que 16 internos repassavam o benefício previdenciário ao estabelecimento e pelo menos seis contaram nunca ter feito uso de álcool ou substância psicoativa. Por isso, não sabiam o motivo de estarem internados. Outros 43 relataram que sofreram agressão moral e física dos funcionários dos estabelecimentos.
Segundo o processo, "constatou-se ser recorrente a prática do chamado ;resgate;, consistente na condução à força das pessoas para esses estabelecimentos, tanto mediante contenção física (com cordas e camisas de força) quanto medicamentosa (por pessoas sem qualquer capacitação técnica)".
Todos internos passaram por avaliação médica e psicossocial e estão sendo acompanhados por profissionais do município. Aos poucos, eles serão encaminhados para um tratamento devido.

Condições insalubres

A Vigilância Sanitária Municipal tinha constatado irregularidades em inspeções anteriormente realizadas, como falta de documentação necessária para o funcionamento e ausência de profissionais habilitados para o tratamento e para uso de medicamentos.

Além disso, equipes encontraram medicamentos vencidos, alimentação vencida, faixas para contenção física dos internos, estrutura física deteriorada (mesmo com pagamento de mensalidade de R$ 2,5 mil) e até pessoas internadas há mais de quatro anos.
Os documentos das vítimas também ficavam retidos, como cartões de crédito, carteiras e bens pessoais. Alguns também eram privados de contato com os familiares e, outros, vítimas de extorsão quando manifestavam vontade de interromper o tratamento.
A partir do compartilhamento das provas e do material apreendido, os desdobramentos da investigação ficará a cargo da 1; Promotoria de Justiça de Cristalina. A pena para o crime de cárcere privado varia de 1 a 3 anos de prisão. No caso de maus-tratos, a punição é de detenção de dois meses a 1 ano. Se o fato resultar em lesão corporal grave, aumenta para 1 a 4 anos. E, no caso de morte, 4 a 12 anos.

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