postado em 02/08/2019 04:07
Paixão esmiuçadaA paixão do brasiliense pela cidade, tantas vezes maltratada, é algo impressionante. Forasteiro que se atreve a falar mal da capital leva logo três ou quatro traulitadas e aprende rápido a respeitar a terra que acolhe de sulista a nortista, além de estrangeiros de todo canto do mundo.
Esse amor candango que transborda pela cidade tem lá suas particularidades e contradições. Nestsa época do ano, a água míngua e o verde some. O nariz seca, o corpo pede cama no auge do expediente, quando a umidade chega a níveis comparados às registradas em desertos. Ainda assim, aprende-se a amar Brasília pelo que ela é. E esta é uma cidade extremamente generosa.
Nesta época do ano, quando o clima castiga até quem nasceu por aqui, os ipês ganham as ruas, arrancam suspiros, rendem fotos clichês e hashtags em tudo que é rede social. Viram até reportagem de jornal e tema de crônicas como esta. Depois de lançado o encanto, vão-se embora deixando no chão tapetes de flores roxos, amarelos, cor de rosas, brancos e verdes. Assim, nesta ordem, de junho a março.
Mas, vez ou outra, tem-se a sensação de que eles se cansam da ditadura do tempo e decidem pela anarquia. Ontem cedo, a caminho do trabalho, dei de cara com um ipê branco! Pelo calendário, ele deveria chegar mais no fim do mês, tendo seu auge nos últimos dias de setembro, início de outubro. Esperar para que, não é mesmo? Ainda não topei com nenhum amarelo, mas já estão por aí, a arrancar suspiros.
A floração dos ipês é efêmera! Dura, em média, 15 dias e, no caso do ipê-branco, menos tempo ainda: três a seis dias, no máximo. A sorte do brasiliense é que tem muita árvore espalhada pela cidade. Assim, quando uma se vai, logo outra desabrocha acolá.
A paixão por Brasília, a minha pelo menos, se esmiúça ainda nos pores do sol. Quando junho se anuncia, me derreto por todos eles. Não raro, paro o carro e fico contando as cores que tingem o horizonte.
Quando o sol se põe, é acompanhado de uma sinfonia improvável: a cidade em volta segue frenética, carros, buzina, motos e o vai e vem apressado de pedestres até as paradas de ônibus lotadas de gente cansada da lida do dia. Mas, ao mesmo tempo, as árvores e os pássaros se aquietam. Até a brisa parece soprar mais devagar. E a quietude deles aquieta a mim. Tal qual os ipês, o tempo de contemplação é efêmero. Em poucos minutos, o círculo de fogo desaparece no horizonte. E a vida se agita de novo!