Cidades

Donos de clínicas são presos

Operação coordenada pelo Ministério Público encontrou dezenas de pessoas amarradas, acorrentadas e sem contato com a família em três estabelecimentos de Cristalina (GO). Algumas foram levadas à força, sem qualquer problema psiquiátrico

Correio Braziliense
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postado em 02/08/2019 04:08
Operação coordenada pelo Ministério Público encontrou dezenas de pessoas amarradas, acorrentadas e sem contato com a família em três estabelecimentos de Cristalina (GO). Algumas foram levadas à força, sem qualquer problema psiquiátrico



Donos de três clínicas de tratamento de dependentes químicos em Cristalina (GO), no Entorno do Distrito Federal, foram presos em uma operação do Ministério Público de Goiás. Eles são suspeitos de manter ao menos 96 pessoas em cárcere privado. Com uso de cadeados, correntes e estruturas de celas, as vítimas eram dopadas com remédios. A responsabilidade pela alimentação e por fornecer itens de higiene pessoal era transferida aos familiares dos pacientes.

Na ação, policiais prenderam cinco pessoas em flagrante. Titular da 2; promotoria de Justiça de Cristalina e responsável pela operação, o promotor Ramiro Carpenedo Martins Netto frisou que as pessoas vulneráveis, sem família, não recebiam alimentação nem os cuidados necessários. ;A estrutura que encontramos era semelhante a uma prisão;, contou.

Ele também enfatizou que pacientes sem transtorno psíquico ou dependência química comprovada eram mantidos nos estabelecimentos. ;Essas pessoas eram resgatadas da rua e os donos dos estabelecimentos sacavam o benefício previdenciário para usar como mensalidade e elas (vítimas) eram privadas de ter contato com a família. As pessoas ficavam trancadas;, acrescentou o promotor.

Médicos, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros do município goiano participaram da operação. Eles começaram a ouvir o relato das 96 pessoas mantidas nesses estabelecimentos. ;Esses lugares não poderiam ser clínicas de reabilitação e, se fossem comunidades terapêuticas, teriam de estar com as portas abertas, sem grades, cadeados ou obrigação de esses pacientes estarem ali contra a vontade deles;, destacou Ramiro Netto. Na Receita Federal, esses estabelecimentos estavam registrados como clínicas de reabilitação.

Pedido de socorro
Em depoimento, mais da metade das vítimas contou que estava sendo mantida nos locais contra a vontade delas e, segundo o processo, mais de dois terços foram internadas sem prévia avaliação médica. Em um quadro em uma das clínicas, promotores encontraram escrito o pedido de ;me tira daqui;.

Os promotores goianos constataram que 16 internos repassavam o benefício previdenciário ao estabelecimento e ao menos seis contaram nunca ter feito uso de álcool ou substância psicoativa. Por isso, não sabiam o motivo de estarem internados. Outros 43 relataram que sofreram agressão moral e física dos funcionários dos estabelecimentos.

Segundo o processo, ;constatou-se ser recorrente a prática do chamado ;resgate;, consistente na condução à força das pessoas para esses estabelecimentos, tanto mediante contenção física (com cordas e camisas de força) quanto medicamentosa (por pessoas sem qualquer capacitação técnica);.

Todos os internos passaram por avaliação médica e psicossocial e estão sendo acompanhados por profissionais do município. Aos poucos, eles serão encaminhados para um tratamento devido.

Condições insalubres
A Vigilância Sanitária Municipal tinha constatado irregularidades em inspeções anteriormente realizadas, como falta de documentação necessária para o funcionamento e ausência de profissionais habilitados para o tratamento e para uso de medicamentos.

Além disso, equipes encontraram medicamentos vencidos, alimentação vencida, faixas para contenção física dos internos, estrutura física deteriorada (mesmo com pagamento de mensalidade de R$ 2,5 mil) e até pessoas internadas há mais de quatro anos.

Os documentos das vítimas também ficavam retidos, como cartões de crédito, carteiras e bens pessoais. Alguns também eram privados de contato com os familiares e, outros, vítimas de extorsão quando manifestavam vontade de interromper o tratamento.

A partir do compartilhamento das provas e do material apreendido, os desdobramentos da investigação ficarão a cargo da 1; Promotoria de Justiça de Cristalina. A pena para o crime de cárcere privado varia de um a três anos de prisão. No caso de maus-tratos, a punição é de detenção de dois meses a um ano. Se o fato resultar em lesão corporal grave, aumenta para um a quatro anos. E, no caso de morte, quatro a 12 anos.

O Correio tentou o contatocom advogados dos proprietários das clínicas, mas, até o fechamento desta edição, nenhum defensor atdneu as ligações.




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