Cidades

Crônica da Cidade

postado em 04/08/2019 04:07
Mamíferos

Eu tinha 10 anos quando um novo shopping center foi inaugurado em Brasília e se tornou febre entre as crianças e os adolescentes da cidade. Ele tinha oito (oito) salas de cinema, uma pista de patinação no gelo, um fliperama com luzes de neon na parede, uma loja que vendia pastéis com nomes de astros de Hollywood e uma fonte de água na praça central que jorrava alto. Ah, os anos 80...

Mesmo com tantas lembranças divertidas, a experiência que vivi ali e que mais me volta à memória é a do dia em que, saindo do fliperama e caminhando até o ponto de encontro combinado com a minha família, vi uma mãe sentada amamentando seu bebezinho. Fiquei encantado.

Comecei a ir e voltar pelo corredor só para observar aquele quase segredo da natureza que se revelava para mim. Afinal, depois que eu e minha prima Nanda nascemos, levou mais de uma década para que outro bebê chegasse à família. E nos anos 70 e 80, as mulheres não amamentavam em público.

Conta a minha mãe que, se a criança chorasse muito, a mãe deveria pedir licença e se retirar para dar o peito. Se não pudesse se isolar totalmente, deveria ir para um cantinho e cobrir o bebê e o seio com algum pano. Claro que eu já tinha aprendido nas aulas de ciências que éramos mamíferos e devia ter visto uma ilustração ou até uma foto. Mas observar a amamentação ocorrendo era algo inédito.

;Então, é assim mesmo que os bebês comem;, pensei, depois da quinta passagem por aquela mulher que, hoje sei, era uma pioneira do direito de amamentar. O que, convenhamos, é algo muito louco que exista. Como foi que uma espécie mamífera conseguiu fazer com que uma mãe alimentando seu filho se tornasse uma cena inusitada para um menino de 10 anos? E isso em uma época em que as pessoas fumavam no avião, é sempre bom lembrar.

Passadas algumas décadas, a estranha resistência ao natural continua. No blog Primeira infância, que a minha colega Ana Paula Lisboa mantém no site do Correio, fui informado de que mães continuam sendo reprimidas na hora de amamentar. Porém, ao mesmo tempo, mais e mais iniciativas buscam (re)naturalizar a amamentação.

A luta vale a pena. Segundo o médico Moises Chencinski, criador e incentivador do movimento ;Eu apoio leite materno;, o estímulo ao aleitamento tem o poder de reduzir os casos de câncer de mama e de mortes de crianças com menos de 5 anos, entre outros benefícios. E também pode nos tornar uma espécie mamífera menos esquisita e menos obcecada por reprimir a própria essência, ouso acrescentar.






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