postado em 11/08/2019 04:06
Quem humanizou quem?
Dia desses, um homem versado na arte de ser infeliz (na definição de Paulo Mendes Campos, é aquele que, entre outras amolações, gosta de citar provérbios e dizer diante da desgraça
alheia: "Bem que avisei") brindou-me com a seguinte pérola: "Tanta criança abandonada na Rodoviária e donos de cachorros comprando coleiras de ouro para eles". Antes de imaginar como seria um cachorro com coleira de ouro, questionei mentalmente se ele, o homem perfeitamente infeliz, anda fazendo alguma coisa pelas crianças abandonadas da Rodoviária. Estou inclinada a achar que não.
Brasília é uma cachorrada e esse não é um trocadilho ; pobre, diga-se de passagem ; com o-leitor-sabe-muito-bem-o-quê. Semana passada, o Instituto Pet Brasil divulgou que, na capital, vivem 650 mil cães, 191 mil gatos e 627 mil aves canoras e peixes ornamentais (a ideia de um censo de peixinhos, aliás, me pareceu adorável). Mas o avanço no número de animais domésticos anda incomodando muita gente. Têm toda razão aqueles que se enfurecem com sujeira largada no meio da rua ou com a insistência de manter fora da guia aqueles mais encrenqueiros.
Porém, há outra classe de implicantes. Aqueles que acham "um absurdo" tratar animal como filho. Os que amarram a cara quando veem um cão dentro de um carrinho; os que, se pudessem, fariam uma passeata pelo fim das roupinhas pet. Essa classe de gente é parente próxima daquela outra que torce o nariz para relacionamentos homoafetivos, pensa que o mundo era muito mais divertido quando se fazia piada racista e machista e que, para disfarçar, justifica o azedume dizendo que estamos ;humanizando os animais;.
Mãe de cachorro assumida, participo de um grupo no WhatsApp de tutores de dachshunds (embora qualquer raça ou sem raça sejam bem-vindas). São cerca de 20 pessoas com idades, profissões, times, gostos e posicionamentos políticos completamente diferentes e que, de outra forma, não se conheceriam. Mas que começaram a conversar sobre cães, passaram a conversar sobre outras coisas, a organizar encontros reais (com e sem os cães) e, daí, criaram um vínculo inabalável mesmo em épocas de bolhas e intolerâncias. No nosso grupinho, esquerda e direita se respeitam; flamenguistas e botafoguenses, também. Isso me dá uma certeza: não, não estamos humanizando os animais. Eles, ao contrário, é que nos ajudam a ser mais humanos.