Cidades

Crônica da Cidade

postado em 12/08/2019 04:06
Classificados líquidos

A pós-modernidade não liquefez apenas os amores, o medo e a vida, como decretou Zygmunt Bauman. Há mais ou menos uma década, os classificados dos jornais não estão mais apenas no papel. As próprias empresas de comunicação passaram a oferecer um novo canal para os leitores venderem e comprarem de carros a vacas girolandas. Os anúncios nos sites são como os aplicativos de namoro: não é preciso fantasiar com a aparência. Ninguém mais vai dormir pensando se aquele Monza 89 está tão zerado quanto diz a descrição.

Como todas as questões que envolvem a tecnologia, essa tem lá suas desvantagens. É que classificados de jornais ofereciam uma leitura saborosíssima para quem se dava ao trabalho de procurar nos tijolinhos histórias curiosas ou, ao menos, promissoras. Na década de 1990, uma repórter do The New York Times teve a ideia de escrever matérias a partir dos anúncios publicados no jornal. A primeira narrou um amor desfeito, e a jornalista chegou ao coração partido graças à oferta de um vestido de noiva nunca usado. A reportagem foi um sucesso.

Classificados têm sido, inclusive, uma importante ferramenta das pesquisas históricas. Antigos jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo eram repletos de anúncios sobre compra e venda de escravos. Esses não têm graça nenhuma. Mas alguns rendem boas risadas e dão a medida de como a vida já foi, ao menos em alguns aspectos, mais leve que hoje. ;A pessoa a quem faltão dous perús pode-os mandar buscar no bilhar da rua de Bourbon, onde lhe serão entregues dando os signaes;, avisou um bom cristão (provavelmente o dono do bilhar), que acolheu os perus em seu estabelecimento, em Petrópolis e, em vez de preparar um cozido duplo, pagou ao jornal para tentar encontrar o dono das aves.

Mesmo hoje ainda se pode garimpar curiosidades nos classificados. Uns poucos senhores e senhoras de fino trato continuam recorrendo ao anonimato das folhas impressas na busca por um romance, via agências de namoro tradicionais, que têm nomes tão poéticos como Pétalas de Amor. Bruxos, feiticeiras e astrólogos são fiéis anunciantes, um deles é Percília, que diz ser mentora espiritual. Promete resolver ;falsidade, intrigas, mentiras, inveja e casamentos em decadência;, entre outros. É de se imaginar quantos ;causos; surgiriam de uma boa conversa com a consulente.

Tempos líquidos ainda escondem belas histórias nos tijolinhos. Longa vida às Pétalas de Amor e às Percílias.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação