postado em 15/08/2019 04:07
Coisas da seca
É só chegar agosto para a minha teoria ser reafirmada. Nos dias escaldantes do nosso inverno, meu carro fica igual a boa parte dos moradores de Brasília: desidratado, meio seco por dentro. A gente sangra o nariz, perde a força para fazer coisas cotidianas, vê a pele rachar e o olhos arderem. Meus conhecimentos de mecânica não me permitem fazer o checape detalhado de um automóvel. Mas um sintoma é certo: o meu deixa de pegar com a mesma facilidade.
Sempre estive tão certa disso que nunca me envergonhei de compartilhar a constatação com conhecidos. O que mais escuto são explicações mecânicas, conselhos para ficar mais atenta à manutenção do carro e, claro, gargalhadas. Só que, no ano passado, um colega admitiu já ter tido a mesma impressão. Voltamos a agosto, o carro anda meio esquisito novamente, lembrei que não estou sozinha e decidi tornar ainda mais público o meu diagnóstico: É coisa da seca.
Como uma conclusão desse tipo deve considerar a subjetividade de um paciente, não espero que seu automóvel, caro leitor, passe pela mesma debilidade nos próximos dias. Cada carro enfrenta a seca brasiliense do jeito que pode, assim como a gente. Mas acredito que não há discordância de que eles ficam mais empoeirados e que o ar-condicionado que alguns carregam se transforma em item de necessidade básica.
Arrisco incluir outros itens a esse roteiro uníssono dos nossos dias desérticos. Esses chamam a atenção por, aparentemente, serem antagônicos. Como a clássica combinação casaco e camiseta. Quem nunca saiu de casa usando blusa levinha e carregando uma jaqueta para mais tarde? É o traje obrigatório da baixa umidade brasiliense. Com implicações até psicológicas. Quando a gente esquece do arranjo, parece sentir mais calor ou mais frio que os precavidos.
Também são contradições da época o apreço pelo ventilador e o horror pela ventania. Em lugares fechados, circular o ar vira condição de sociabilidade. Mas, ao ar livre, um redemoinho de terra vermelha tira o brilho do humor de qualquer um. Prega a superstição que é tinhoso dançando. Eis outro assunto que está longe da unanimidade. Uma coisa é certa: aqui, são coisas da seca.