Cidades

Crônica da Cidade

postado em 18/08/2019 04:13

Apuro em outro lugar

Viagens ao exterior são sempre tomadas pelo suspense. Culturas diferentes, idiomas diversos e costumes também destoantes dos nossos. Em pelo menos três delas, passei apuros por mero descuido. O primeiro ocorreu em Taipé, mas poderia ter sido em qualquer outro local onde a língua é enorme barreira.

Maio de 2013. A capital de Taiwan, ilha democrática considerada por Pequim como parte inalienável de seu território, é uma cidade vibrante de pouco mais de 2,6 milhões de habitantes. Hospedado em uma área famosa pelo comércio de produtos tecnológicos, decido dar uma volta para conhecer a região. Guardo a chave eletrônica do quarto no bolso, a qual traz, em mandarim, nome e endereço do hotel. Ao caminhar por um tempo, percebo que estou perdido. Abordo várias pessoas, em inglês, e recebo de volta um maneio negativo da cabeça. Ninguém fala o idioma que eu considerava universal. Vejo uma viatura da polícia e meu corpo é tomado pelo alívio. Qual a surpresa ao perceber que nem mesmo os policiais falavam inglês, após duas horas e meia andando em círculos, dou de cara com o meu hotel.

Em outubro de 2017, durante viagem a Zhuhai, no sudeste da China, aproveito o clima ameno e o ambiente acolhedor para uma corrida noturna no parque ao lado do hotel. Depois de 5km de suor, a poucos metros do hotel, ouço o rasgar de um tecido. Uma estaca de ferro (enferrujada) pelo caminho rompe minha bermuda pela metade. Chateado pelo fato de subir o elevador aos farrapos, sou tomado pelo alívio ao perceber que o dano é apenas material e não se torna necessário procurar uma vacina antitetânica.

Em abril passado, um dia após apertar a mão do papa Francisco na bonita Rabat (capital do Marrocos), caminhei por 2km do hotel até a medina, um imenso mercado em vielas sinuosas que se tornam labirinto. No caminho, meu olhar é atraído pelos mosaicos em estilo árabe nas paredes, pelos pórticos com madeira caprichosamente talhada, pelos felinos que se misturam à paisagem. Até que, ao consultar o celular, percebo que estou sem sinal de GPS. Meu voo de volta ao Brasil partiria em algumas horas, não posso demorar. Começo a percorrer as ruelas da medina e a sensação é de me aprofundar cada vez mais. Depois de quase uma hora, já incomodado com o horário, um apito do celular indica o retorno do sinal. Consigo encontrar o rumo do hotel.

Apuros são interessantes. A preocupação e o medo instantâneos dão lugar a boas memórias e gargalhadas. Que venham mais.

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