Cidades

Mais antiga região administrativa do DF, Planaltina comemora 160 anos

A data, no entanto, representa o dia em que o vilarejo foi transformado em distrito de paz

Jéssica Eufrásio
postado em 19/08/2019 06:00 / atualizado em 14/10/2020 11:36
foto da capela de Planaltina
Ainda que seja a região administrativa de número seis, Planaltina é a cidade mais antiga do Distrito Federal. Enquanto a área da capital federal sequer havia sido delimitada, a então vila, conhecida como Mestre d’Armas, desenvolveu-se em torno da fé e da agropecuária. Esse centro urbano, dividido entre o DF e Goiás, cresceu e completa 160 anos nesta segunda-feira (19/8).
 
A data, no entanto, representa o dia em que o vilarejo foi transformado em distrito de paz. O povoado, que cresceu em torno da Igreja de São Sebastião e guarda reflexos do século 19 a 40 quilômetros da modernidade brasiliense, tem, na verdade, 208 anos.

A região nasceu após um período em que tropas de bandeirantes percorriam o interior do país em busca de pedras preciosas. Essas expedições ocorreram, principalmente, durante a primeira metade do século 18. A busca por ouro e esmeraldas guiava esses grupos e marcou o início da história goiana até meados do século 20. A atividade mineradora favoreceu a ocupação de cidades como Formosa e Luziânia, então Santa Luzia. Contudo, a pecuária e a agricultura favoreceram a fixação desses grupos na região.

Com a decadência da economia no século 19 e o fim da febre do ouro na Província de Goiás, as transações comerciais se enfraquecem, a circulação monetária diminui, mas a agricultura de subsistência e a pecuária ganham força. Aliada a isso, Planaltina surge em meio a uma “febre de fé”. “Tratava-se de uma comunidade espalhada, que trabalhava na fazenda e tinha autonomia. Não havia grandes comércios. A vila de Mestre d’Armas surge daí. Mas esse grupo de fazendeiros teve um problema com uma doença. Como fazem para superá-la? Prontificam-se a criar uma pequena capela caso se curem”, explica o historiador do Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF) Elias Manoel da Silva.

Em 20 de janeiro de 1811 — após o fim da epidemia e durante uma missa de ação de graças —, a comunidade entrega as terras para construção da igreja ao vigário de Santa Luzia, como forma de pagar a promessa. A capela é erguida em homenagem a São Sebastião. A ocasião configura, historicamente, a data oficial do nascimento do Arraial de São Sebastião de Mestre d’Armas, atual Planaltina. Com a criação do patrimônio ao santo — distrito urbano que surge ao redor de um território doado para uma igreja —, cresce o aglomerado de comércios e pequenas cidades em terrenos alugados pela capela.

Uma lei de 19 de agosto de 1859 transforma a vila de Mestre d’Armas em distrito de paz. Cem anos depois, pouco menos de um ano para a inauguração de Brasília, há uma festa em comemoração ao centenário da cidade. Para Elias Manoel, confundir as datas trata-se de um equívoco. “É um erro histórico compreensível. Quando se construiu Brasília, a referência era essa (lei). Em 1959, houve uma festa para celebrar os 100 anos do distrito de paz. Mas, para o surgimento do núcleo urbano (da atual Planaltina), consideramos 1811, com a doação de terras por fazendeiros locais para a construção da igreja”, completa o pesquisador.

 
Futura capital


A Constituição Federal de 1891 — primeira da República — previa a reserva de uma área de 14,4 mil quilômetros quadrados no Planalto Central onde, futuramente, ficaria a capital do país. Em 1982, a Comissão Exploradora do Planalto Central, conhecida como Missão Cruls e liderada pelo astrônomo belga Louis Ferdinand Cruls, esteve no Planalto Central para delimitar os vértices que, hoje, marcam o DF.

A pedra fundamental que indica essa região foi instalada em 1922, em Planaltina. A cidade, no entanto, existia há mais de seis décadas. A partir da construção de Brasília, em 1956, o estilo de vida da cidade ganhou novos contornos. Mesmo com os traços deixados por Oscar Niemeyer e Lucio Costa perto dali, a arquitetura de Planaltina, marcada por casarões de adobe e o ar de cidade pacata, manteve-se durante muitos anos.

Nascido em Goiânia, o arquiteto Salviano Guimarães, 76 anos, cresceu na casa do avô, Salviano Monteiro Guimarães, cuja casa tornou-se o museu da cidade e cujo nome batiza a praça do Centro Histórico. Depois de passar anos estudando no Rio de Janeiro — e em outros países, como a Argélia, onde foi pupilo de Oscar Niemeyer — em 1975, ele voltou para a capital federal. Tornou-se professor da Universidade de Brasília (UnB), mudou-se para Planaltina e, hoje, além de ser proprietário de uma fazenda na cidade, é dono de uma casa vizinha ao museu, onde, por coincidência, cresceu a mulher dele, a professora universitária aposentada Maria Alice Guimarães, 74.

O casarão de adobe comprado pelo casal foi restaurado, mas mantém as características originais. Do mesmo modo que a história de Planaltina se entrelaça com a de Brasília, a de Salviano Guimarães se mistura a das duas cidades. “Tenho uma relação de amor com Planaltina. É a terra de meus pais, de meus avós. É onde me sinto bem. E é uma cidade que tem vida cultural”, ressalta.

Os empresários Manoel Davi Ramos Filho, 74, e a mulher dele, Maria Oneida Marques, 66, deixaram o município de Monte Carmelo (MG) para adotar a região administrativa como lar. Há cerca de 50 anos, eles se mudaram para a cidade na tentativa de ganhar a vida.  A escolha foi fácil. Manoel tem parentes em Planaltina, onde acabaram ficando. Hoje, donos de uma loja de itens variados aberta há 30 anos, na Avenida Marechal Deodoro, eles falam sobre a abertura de Planaltina para o comércio. “Minas Gerais é boa para morar, mas não para ganhar dinheiro. Foi difícil no início. Como éramos de fora, ninguém confiava. A gente tem de ser artista”, relata Manoel Davi.

Com dois filhos e três netos, eles reconhecem a importância da cidade, mas lamentam a falta de atenção por parte do governo para a solução de problemas. “Não penso em me mudar daqui. Mas ainda falta os governantes fazerem mais. Aqui é uma cidade histórica. Tenho esperança de que eles façam melhoras por aqui e e olhem mais para o povo, para que Planaltina possa evoluir”, cobra Maria Oneida.

Cultura


Até hoje, o setor agropecuário movimenta a economia de Planaltina. A cidade ficou em primeiro lugar entre as regiões administrativas do DF como a que mais produziu feijão, soja, pimentão, laranja, limão, maracujá, banana, leite, carne de frango, ovos e mel, em 2018, segundo dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF). Mesmo assim, é o lado religioso que torna a cidade um atrativo para milhões de fiéis todos os anos, especialmente durante as folias e a famosa encenação da Via-Sacra, no Morro da Capelinha.

A particularidade de pulsar cultura não deixou as veias da cidade, onde centenas de atores, artesãos, pintores e outros artistas surgiram. Próximo à praça do Centro Histórico, onde a vida passa sem pressa, mora a artista Rozeli Costa, 55. De família católica e com o dom da arte — como ela mesma diz — a artesã conseguiu transformar o ofício da costura, exercido pela mãe, em um trabalho reconhecido, principalmente, durante a Festa do Divino Espírito Santo, celebrada em junho.

Desde 2006, Rozeli se dedica à produção de bandeiras para o evento anual ou para encomendas. Cinco anos depois, a artista expandiu a forma de trabalhar e passou a produzir estandartes. Ela diz que a paixão pela cidade para onde mudou-se aos 15 anos torna-se cada vez mais forte. “Comecei a trabalhar com as bandeiras por influência do passado, da infância. Tenho atuado com o objetivo de dar mais visibilidade para a cultura daqui, porque é muito rica”, ressalta Rozeli. “O que eu puder fazer em nome de Planaltina, eu faço. A cidade tem um espírito de confraternização. É a cidade do meu coração, que me acolheu”, completa.

Sócia-fundadora da Associação dos Amigos do Centro Histórico de Planaltina (AACHP), Simone dos Santos Macedo explica que a força da cultura regional tem capacidade de transformar a imagem da cidade. Ela acrescenta que atrativos tradicionais se mantêm em alta, ao mesmo tempo em que novas atividades ganham destaque. “Temos feito um trabalho com o viés de tirar Planaltina da imagem de cidade da periferia norte (do DF) e violenta. Fora a parte mais antiga, temos movimentos mais modernos. Há o Salão Mestre d’Armas, de artes contemporâneas; uma galera do rap e do grafite. Todos esses movimentos têm vindo com bastante força”, destaca.

Além disso, Simone menciona a resistência do Centro Histórico da cidade, a preservação ambiental na Estação de Águas Emendadas e o sincretismo religioso do Vale do Amanhecer. Ela cita  a perda de casarões, mas comenta que a “goianidade” não se perdeu. “O primeiro tesouro que a cidade guarda é o Centro Histórico, que insiste em se manter de pé. Ainda é possível chegar à praça dele e sentir que você está em uma cidade do interior, diferentemente de uma de concreto, certinha, como Brasília. As pessoas ainda se encontram na praça. E esse patrimônio cultural também é símbolo da história de Brasília”, finaliza Simone.

PROGRAME-SE


19 de agosto
Sessão solene em comemoração ao aniversário de Planaltina
Local: Centro Educacional 
Delta
Horário: 19h

23 de agosto
Samuzinho
Local: Praça do Estudante
Horário: das 8h às 13h

23 a 25 de agosto
Cruzada Evangelística
Local: Estacionamento Funções

24 de agosto
Copa Planaltina de Fisiculturismo
Local: Complexo Cultural
Horário: 16h

25 de agosto
1º Encontro de 2 e 4 Rodas
Local: Restaurante Comunitário
Horário: das 9h às 18h

27 e 28 de agosto
Festival de Curta-Metragem
Local: Centro Cultural Delta

31 de agosto
Encontro de Família
Local: Praça da Estância - 
Escola Classe 16 e CEI
Horário: das 8h às 12h

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