Cidades

Entrevista Júlio Marcelo Oliveira, procurador

O procurador do Ministério Público junto ao TCU esteve no CB.Poder e abordou a polêmica do Fundo Constitucional

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 20/08/2019 04:06
O procurador do Ministério Público junto ao TCU esteve no CB.Poder e abordou a polêmica do Fundo Constitucional

"Inativo da saúde e educação não é atribuição do fundo"

Em meio à polêmica envolvendo o Governo do Distrito Federal (GDF) e a decisão do Tribunal de Contas (TCU) proibindo o pagamento de servidores aposentados e pensionistas das áreas de educação e saúde com recurso do Fundo Constitucional, o procurador do Ministério Público junto ao TCU, Júlio Marcelo Oliveira, frisou que a União financeira não se responsabiliza pelas duas áreas. ;O pagamento de (servidor) inativo da saúde e educação não é atribuição do fundo. O Fundo Constitucional é para custear atividade, ou seja, serviço público que está sendo prestado;, esclareceu.

Em entrevista ao programa CB.Poder, parceria do Correio com a TV Brasília, Júlio sugeriu como alternativa a readequação de fontes para custear a despesa. ;O que é pago pelo Fundo Constitucional será pago com recurso que o Distrito Federal deve estar aportando para outras áreas. Não deixa de ser um embaraço e uma dificuldade com que o governador não contava, mas esse é o desafio de governar em um período de escassez, conforme o que determina a lei;, destacou.

Em âmbito nacional, o procurador disse não ter avaliado como crime ou ilegalidade as mensagens trocadas entre integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato e o juiz Sérgio Moro. Ele também afirmou ser contra o projeto de lei de abuso de autoridade. ;O que todos nós esperávamos era um projeto anticrime que o ministro Sérgio Moro encaminhou, mas o que veio do Congresso Nacional foi o oposto do esperado. Um projeto de lei que criminaliza condutas que são do dia a dia da atividade policial, do Ministério Público e do juiz;, afirmou.


O que levou o Tribunal de Contas da União (TCU) a suspender o pagamento de servidores inativos e pensionistas das áreas de educação e saúde com recurso do Fundo Constitucional do DF?
O Fundo Constitucional, criado em 2002, tem a finalidade de prover recursos financeiros para o Distrito Federal a fim de organizar e manter a Polícia Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros e prestar assistência financeira nas áreas de educação e saúde. A União não se responsabiliza por todas elas, mas tem um peso importante na segurança, tendo em vista que a sede da União e do poder federal fica no Distrito Federal. Portanto, a União assume uma atribuição importante de custeio do Distrito Federal que faz com que o DF tenha muita vantagem em relação a outras unidades da Federação. Só o Judiciário, a segurança e o Ministério Público têm um valor expressivo. Em relação à educação e à saúde, o que o Tribunal de Contas da União considerou é que esse dinheiro é para ser usado na atividade conforme a disponibilidade do fundo e não para inatividade do servidor, que deve ser custeado com recursos próprios do GDF, da sua arrecadação ou do fundo de participação que o GDF tem nos recursos da União, como os outros estados.

Quando a União repassa esse valor ao GDF, o uso desse recurso acaba sendo do gestor?
O pagamento de (servidor) inativo da saúde e da educação não é atribuição do fundo. O Fundo Constitucional é para custear atividade, ou seja, serviço público que está sendo prestado. Se ele foi criado com a finalidade específica, regulado por lei, o gestor não pode fazer o que a lei desautorizou.

Como o DF pode equacionar essa relação?
Provavelmente, é possível fazer uma readequação de fontes. O que é pago pelo Fundo Constitucional vai ser pago com recursos que o Distrito Federal deve estar aportando para outras áreas. Não deixa de ser um embaraço e uma dificuldade com que o governador não contava, mas esse é o desafio de governar no período de escassez, conforme o que determina a lei.

Como o senhor avalia a declaração do governador em relação aos ministros do TCU?
Isso foi de uma deselegância patente. Não é assim que as instituições e os titulares de poder devem se relacionar. Se uma decisão do TCU for contrastada no Supremo Tribunal Federal (STF), e o STF reverter, certamente não ouvirá ninguém do TCU utilizando palavras deselegantes. Cada um, exercendo suas competências, vai fazer a avaliação que lhe cabe, mas dentro de um padrão de civilidade, utilizando a marca característica do exercício de poder, especialmente para um governador.

Como o senhor avalia os avanços de políticos contra órgãos fiscalizadores?
Todos os governantes e políticos têm de ter o compromisso com a construção e o fortalecimento das instituições. O que faz o país ter uma democracia vigorosa são instituições fortes que dependam menos da personalidade dos governantes. Quando há qualquer movimento que seja no sentido de deslegitimar a atuação de uma instituição de controle, ou interferir no seu funcionamento independente e autônomo, ocorre um movimento contrário do que se deseja e espera. Queremos que órgãos de controle sejam respeitados, fortalecidos e que assim possam prestar um bom serviço à sociedade.

Não é uma ironia ter tido um juiz considerado símbolo do combate à corrupção, como Sérgio Moro, e que agora esteja participando de um governo que está retrocedendo nesse apoio às instituições de controle?
Imagino que ele esteja fazendo todos os esforços pessoais para impedir que qualquer ato contra as instituições ocorra, mas esse é um papel de todos nós. Toda sociedade precisa estar atenta para defender as instituições de controle, porque elas são patrimônio da sociedade. Elas servem à sociedade como instrumento de estado e não de um governo que é transitório e passageiro.

Na opinião do senhor, as mensagens vazadas entre os procuradores da operação Lava-Jato com o juiz Sérgio Moro revelam algum crime?
Nem crime, nem ilegalidade. Ali é como se fosse um cafezinho que você conversa com pessoas do seu grupo, com uma certa liberdade. Essa foi uma conversa entre membros da equipe e, nela, se tratou de providências, logística e acerto de datas para operações. Eu não vi ninguém combinando a inserção de uma prova no processo, porque ela seria grave. Ou retirar alguma prova que ajudasse na defesa. Não vi nada que indicasse conluio ou comprometimento do juiz para atuar como juiz depois. Naturalmente, em um sistema como o nosso, em que o juiz da instrução é o mesmo que o do julgamento, pode haver esse sentimento de confusão e de muita proximidade do juiz com o Ministério Público ou com a polícia, porque, nessa fase prévia de investigação, o juiz precisa estar muito próximo à investigação. Depois, na fase de julgamento, quando a denúncia é oferecida, evidentemente esse magistrado tem uma pré-compreensão dos fatos. Talvez seria melhor para o país fazer uma separação, deixando um juiz cuidando dessa etapa, e outro cuidaria do processo a partir da denúncia.

O procurador Deltan Dallagnol é alvo de várias representações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no âmbito da Vaza-Jato e de outras que surgiram, como o do senador Renan Calheiros. É possível utilizar o conteúdo dessas mensagens, que são pessoais,como provas em um processo?
Elas não apontam para nada irregular. Nem como prova para condenar alguém, nem administrativamente. Muitas dessas representações nascem a partir de manifestações do Deltan nas redes sociais ou de entrevistas em contato com a imprensa. A meu ver, a participação do Ministério Público no debate público é mais do que um direito, mas um dever ético e profissional.

O senhor é contra ou a favor do projeto de abuso de autoridade? Quem ganha com esse projeto?
Sou radicalmente contra. O que todos nós esperávamos era um projeto anticrime que o ministro Sérgio Moro encaminhou para justamente facilitar a investigação, dar mais instrumentos para efetividade do combate à corrupção e do combate à criminalidade. Mas o que veio do Congresso Nacional foi justamente o oposto do esperado. Um projeto de lei que criminaliza condutas que são do dia a dia da atividade policial, do Ministério Público e do juiz.

Quem controla osministros do Supremo?
Absolutamente ninguém. Eles tinham de se controlar mutuamente. O poder só é limitado pelo poder e contido pelo poder.





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