postado em 26/08/2019 04:05
Fim da Amazônia
Meu pai, também de nome Severino Francisco, parecia um personagem saído diretamente de um folheto de cordel. Desceu de Pernambuco até o Planalto Central, na década de 1950, fazendo e vendendo almanaques em versos para garantir a sobrevivência. Era autodidata, lia revistas de ciência.
Nos anos 1940 e 1950, já indignava-se com a devastação da Amazônia e escrevia vários poemas sobre o tema. Em um deles, dizia: ;Primeiro uma machadada / E a árvore bela e copada / Continua resistindo / Depois, começa rangindo / Como cana na esteira / E na hora derradeira / Ainda se ouve o estalo / A morte, a queda e o abalo / E adeus mata brasileira;.
Agora, a Amazônia se tornou tema de uma crise internacional. O governo brasileiro age como se fosse aquele personagem que enganou o diabo e ainda pediu o troco. Mas só se engana quem quer se deixar enganar.
Publico, a seguir, o poema Fim da Amazônia, escrito por meu pai na década de 1950. O poema ecoa, equivocadamente, a ideia corrente, à época, de que a Amazônia seria o pulmão da humanidade. Mas, no restante, é tragicamente atual.
; ; ;
;Devastar a Amazônia
é uma calamidade
pode virar um deserto
e para a nossa infelicidade
o Brasil perde o pulmão
que respira a humanidade
porque a sua umidade
circula constantemente
não apenas no Brasil
mas em outros continentes
Ásia, África e Europa
dele vivem dependentes.
SOS para quem?
onde está a consciência?
o que é feito da Presidência?
A fauna, a flora e o clima
ninguém olha com clemência
é o maior atentado
do homem sem coração
quem comete tal delito
terá um nome maldito
pela próxima geração.
Tais governos ou empresários
um dia serão julgados
quando pósteros professores
mostrarem os mapas alterados
e contarem a seus alunos
os tesouros devastados
aqui foi a Amazônia
a selva dos alagados
a hileia brasileira
a selva mais intrincada
o Uirapuru fez a morada
o índio viveu aqui
o boto, o puma, o queixada
e agora que coisa feia
um deserto de areia
sem pão, sem vida e sem nada.
O rio dormia na mata
o índio seu habitante
o jacaré, o jaguar,
a capivara e o xavante
a gazela e o campeiro
o cangussu traiçoeiro
e a coruja vigilante
o guariba, o tamanduá
o papa-mel e o tiú
o papa-peie, o tangará
o carcará e o urutu
a sucuri, a anta e o mateiro
o pica-pau verdadeiro
e a grande abelha uruçu.
No rio, o tucunaré
o peixe-boi, o dourado,
a piranha, o pirarucu,
o peixe-cego, o pintado,
o piraquê e outros peixes
que agora estão empilhados.;