Correio Braziliense
postado em 28/08/2019 04:07 / atualizado em 04/12/2020 11:31
Mesmo sendo assassino confesso de Letícia Curado, 26 anos, e de Genir Pereira de Sousa, 47, e acusado de mais uma série de ataques a mulheres no Distrito Federal, a Polícia Civil ainda evita classificar Marinésio dos Santos Olinto, 41, como serial killer. Os investigadores esperam análises psicológicas e psiquiátricas mais profundas para traçar um perfil apurado do criminoso. Especialistas ouvidos pelo Correio, no entanto, dizem que os fatos revelados até agora reúnem elementos para acreditar que se trata, sim, de um assassino em série com traços de psicopatia.
Mesmo sem se aprofundar especificamente nos detalhes do caso, a criminóloga e escritora Ilana Casoy, uma das principais especialistas em serial killers do país, acredita que o perfil de Marinésio é mesmo o de um assassino em série. “Ele deve ser, sim, e é preciso, como a polícia está fazendo, procurar nos arquivos anteriores, porque acredito que vão encontrar outras mortes. O estágio de violência do crime é muito alto para ele estar num segundo assassinato”, analisa Ilana (leia Quatro perguntas para).
Na opinião dela, o desafio para a investigação, a partir de agora, é encontrar as conexões corretas entre os casos que podem ter sido cometidos por Marinésio. “Só o tipo de crime não conecta. O modo de agir também pode variar em cada caso. É preciso buscar a assinatura de crime. O que ele não precisava fazer e fez para ter satisfação”, destaca. “Descobrir essas conexões é importante para não cometer erros na identificação de autores de outros casos e deixar, por exemplo, livre um assassino que cometeu crime parecido”, alerta.
A apuração policial, até agora, indica atuação fria e similar em todos os casos que envolvem Marinésio. Nos dois assassinatos e nos casos das sobreviventes, ele usava o mesmo recurso para atrair as vítimas: aproximava-se de pontos de ônibus e locais de espera e oferecia a elas carona ou se passava por motorista de transporte pirata. No caminho, revelava o verdadeiro intuito e tentava manter relações sexuais com elas.
No caso de Letícia e Genir, a hipótese é de que ele as matou após a negativa. Outras mulheres alvo dele conseguiram fugir antes da reação violenta. “Hoje, nós temos duas mulheres mortas sem motivação e mais vítimas que narram a mesma forma de agir e que conseguiram fugir. É possível que apareçam outras vítimas com a divulgação das imagens”, afirma a delegada Jane Klébia, da 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá). “Só uma análise psicológica pode nos dizer o que Marinésio é. Ele responde com seriedade, mas sem coerência”, revela.
O psiquiatra Raphael Boechat, da Universidade de Brasília (UnB), ressalta que, para uma conclusão precisa, é necessário fazer uma análise específica do caso. Ainda assim, ele acredita que os elementos revelados sugerem que Marinésio tem transtorno de personalidade antissocial. “Ele é o que chamávamos antes de psicopata. É um quadro muito difícil, mas é o quadro geral desses crimes mais bizarros e que não envolvem a perda do juízo. A pessoa sabe o que está fazendo exatamente. Nesse caso, pelo que se sugere, trata-se de um psicopata, que sabe o que está fazendo, que repetiu e que vai repetir isso”, analisa.
Controle
Na segunda-feira, Marinésio conversou com a imprensa na 31ª Delegacia de Polícia (Planaltina). Apesar de usar a justificativa de que perdeu o controle e só via o resultado dos crimes quando recobrava a consciência, Marinésio não deu indícios de ser uma pessoa descontrolada. Estava envergonhado, mas falava de forma articulada e parecia saber a quais perguntas não deveria responder.
Ao comentar os crimes, o investigado não deu detalhes e se esquivou das perguntas dos repórteres. E fez questão de mandar um recado para a própria família: um pedido de desculpas. Um dos apelos do homem era para que a população não julgasse seus parentes e sentisse raiva apenas dele. Apesar disso, mostrou-se triste por não ter recebido visitas: “Ninguém veio me ver, e eu até entendo”.
Marinésio nasceu em Bayeux, cidade paraibana com cerca de 96 mil habitantes, localizada na Região Metropolitana de João Pessoa. Mudou-se para o Distrito Federal aos 5 anos, com a família. Morou até os 20 no Paranoá, quando se mudou para Planaltina. Tem cerca de 1,60m e usava cabelos longos.
Atualmente, Marinésio morava em uma casa simples, no Vale do Amanhecer. É casado e tem uma filha de 17 anos. A construção tem partes edificadas e outras feitas com madeirite e lona. Quando o Correio esteve no local, um cachorro e um colchão velho estavam largados no quintal em meio à poeira do espaço.
Marinésio era cozinheiro. Trabalhou nos restaurantes comunitários de Sobradinho e Planaltina. Recentemente, passou cerca de dois meses desempregado, mas, há 40 dias, conseguiu uma oportunidade e estava em período de experiência em um supermercado da Asa Norte.
Linha do tempo
Os crimes praticados por Marinésio dos Santos Olinto, 41 anos, segundo a polícia e vítimas
1º de abril
» Uma adolescente de 17 anos contou ter sido estuprada por Marinésio em 1º de abril. Ela afirma que, após a violência sexual, ele tentou asfixiá-la. Ela registrou ocorrência da violência sexual em julho. Na manhã de ontem, foi à unidade policial para identificá-lo e garante que o crime foi praticado por ele.
2 de junho
» O cozinheiro desempregado aborda Genir Pereira de Sousa, 47, em uma parada de ônibus do bairro Arapoanga, em Planaltina, e, durante o percurso, a mata, após a mulher reagir ao assédio sexual.
11 de agosto
» Uma vítima embarcou na Blazer de Marinésio na Rodoviária de Planaltina, em direção ao Vale do Amanhecer. No caminho, ela saltou do carro em movimento, após o homem passar a mão na perna dela.
23 de agosto
» Marinésio para no ponto de ônibus do Arapoanga, onde a advogada Letícia Curado, 26 anos, aguardava por um transporte para ir trabalhar. Ela é convencida a entrar no carro e acaba assassinada depois de reagir ao assédio.
24 de agosto
» Um dia depois de assassinar Letícia, Marinésio ofereceu carona para duas irmãs, uma de 18 e outra de 21 anos. No caminho, o assassino fez um trajeto diferente do combinado e passou a assediá-las. Elas conseguiram escapar depois que uma das jovens ameaçou quebrar o carro com uma barra de ferro que estava no banco de trás do veículo.
Quatro perguntas para
Ilana Casoy, criminóloga e escritora, especialista em serial killers
Quatro perguntas para
Ilana Casoy, criminóloga e escritora, especialista em serial killers
Qual é a definição de serial killer?
Existem várias definições. O FBI classifica a partir de três mortes, mas, para mim, pode ser definido como assassino em série aquele que comete dois ou mais assassinatos, envolvendo ritual com as mesmas necessidades psicológicas, mesmo que com modus operandi diverso, caracterizando, no conjunto, uma assinatura particular. Os crimes devem ter ocorrido em eventos separados e em datas diferentes com algum intervalo de tempo relevante entre eles. As vítimas devem ter um padrão de conexão entre elas, e a motivação do crime deve ser simbólica, e não pessoal.
Pela análise preliminar da senhora, Marinésio pode ser classificado assim?
Tudo indica que sim, e é preciso, como a polícia está fazendo, procurar nos arquivos anteriores, porque acredito que vão encontrar outras mortes. O estágio de violência do crime é muito alto para ele estar num segundo assassinato.
Assassinos desse tipo começam de que maneira?
Eles não começam matando, em geral. Começam pelo estupro e vão se satisfazendo com uma gratificação da violência. O estupro, nesses casos, é uma questão de satisfação pela agressão, e não pelo sexo em si. O sexo é só uma forma de agredir. O que mais atinge uma mulher? A violência sexual. Não é desejo, é raiva. O que gratifica é a humilhação.
O que mais é possível observar pelos fatos desse caso até agora?
Existe uma hipótese de que ele escolhesse as vítimas aleatoriamente, e isso pode não ser aleatório de fato. Ele falou, em algum momento, que teria visto essa moça antes. Isso indica que ele pode fazer uma caça a vítimas do perfil que procura. Pode ser que ele observasse antes de oferecer a carona. Para saber tudo isso, é preciso perguntar para as sobreviventes para montar um perfil mais apurado desse indivíduo.