Cidades

Crônica da Cidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 29/08/2019 04:06
A viagem do bacurau
Quando visitou Brasília, na década de 1970, Clarice Lispector registrou que as minguadas e mirradas árvores da cidade eram de plástico. Mas as árvores da cidade-parque floresceram e atraíram uma infinidade de pássaros às superquadras e parques.
Ao ler matéria no caderno Cidades sobre o grupo Observaves, lembrei-me da história do bacurau norte-americano, pássaro que viaja de 8 mil a 10 mil km para o Brasil e, mais precisamente, com destino a Brasília. Isso ocorre quando começa o inverno nos EUA. Quem me contou a saga foi Tancredo Maia, integrante do grupo Observaves.

Seguramente, os bacuraus viajam em bando dos EUA até o Brasil. Os biólogos já fizeram a experiência de colocar GPS nas aves. É impressionante como não se perdem. Não fazem um voo aleatório. Apreciam o calor, o verão e o clima tropical. Diferentemente do urubu ou do gavião, que são planadores, pegam onda de vento e vão em frente; o bacurau bate asas o tempo todo.

É preciso um preparo físico muito bom. Mesmo à noite, batem asas. Mas, ao mesmo tempo, param para descansar e fazem a viagem por etapas. Descem os Estados Unidos juntos, atravessam a América Central e, quando chegam à América do Sul, costumam se dispersar. Uma parte sobe para a Amazônia e o Pantanal; a outra toma o rumo do Brasil Central e uma terceira tem como destino a costa marítima.

Por isso, é possível encontrar a mesma espécie de bacurau norte-americano em Brasília, no Acre ou na Bahia. No verão, encontram farta alimentação nos trópicos. Os bacuraus são bichos noturnos, durante o dia eles descansam nas árvores. Tancredo e o grupo Observaves têm registrado que, nos últimos quatro anos, um bacurau norte-americano ocupa a mesma árvore no Parque da Cidade.

À noite, depois das 18h, o bacurau sai para se alimentar de insetos. A migração não é uma aventura improvisada. Existe uma rota que eles fazem todos os anos. Da primeira vez, Tancredo observou um, mas, em seguida, o número de migrantes foi aumentando no Parque da Cidade. Devem ter chamado a família e os vizinhos.

Têm alimentação, o lugar é agradável, ninguém perturba. Isso é legal para fazer uma rota. Incorporam esse programa de viagem para enfrentar as mudanças de estação do ano. Quando o frio assola nos Estados Unidos, eles migram para os países tropicais. Passam a informação de geração para geração. No Brasil existem umas seis espécies de bacuraus: ;Eles vêm visitar os primos;, brinca Tancredo.

Acontece algo semelhante com a ave batizada de Príncipe, que vem da Argentina e também pode ser vista nos parques da cidade. Com a sua plumagem vermelha e a máscara negra, ele é impressionantemente belo e gracioso. Mas, diferentemente do bacurau, tem hábitos diurnos. É muito fácil de ser visto. Dá um salto, pega o inseto em voo fulminante e volta ao mesmo lugar, sem perder a realeza, ou melhor, a principalidade.

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