Hellen Leite
postado em 31/08/2019 15:27
Incluído no grupo de consumidores hipervulneráveis, o idoso costuma ser alvo frequente de oportunistas. Seja por telefone, internet, correios ou ;cara a cara;, os golpes contra pessoas acima dos 60 anos vão de concessão de empréstimos a promessas fantasiosas de revisão de aposentadoria. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), em 2019, 1.098 pessoas acima de 60 anos foram vítimas do crime, uma média de cinco por dia.
A aposentada Luzia Pinheiro Pinto Reis, 90 anos, foi vitima de um esquema que colocou em risco o patrimônio familiar construído ao longo de mais de meio século. A armadilha foi preparada por anos e começou logo após ela ficar viúva, em 2009, quando pessoas próximas a convenceram a vender parte dos imóveis que possuía em Bom Lugar (MA).
Os golpistas eram do tipo mais difícil de denunciar, pois eram do convívio da família e aproveitaram a fragilidade emocional de Luzia e os primeiros sinais do mal de Alzheimer para persuadi-la a entregar parte da aposentadoria e assinar documentos sem o conhecimento dos filhos.
"Só fiquei sabendo que ela tinha passado os imóveis quando fui fazer o inventário dos bens de meu pai", conta Ana Luzia Pinto Reis, filha de dona Luiza. O caso foi parar na Justiça e, desde 2015, a família briga para retomar uma propriedade de 5 hectares. "Não somos ricos, e o prejuízo foi grande. O rastreamento bancário acusou que todos os meses tiravam R$ 500 da conta dela. Isso durou muito tempo e nós não sabíamos até ela ser interditada", lamenta a filha.
Quem vê cara, não vê golpe
A construção de uma relação de confiança é a principal estratégia de estelionatários. Golpistas exageram no charme e na simplicidade, simulando oferecer ou pedir ajuda, o que ilude a vítima. Entre as principais táticas estão as abordagens nas proximidades de caixas eletrônicos ; nas quais o criminoso oferece ajuda e aproveita a vulnerabilidade do idoso para enganá-lo ; ou os golpes conhecidos como ;bilhete premiado; e "motoboy do cartão de crédito" (veja quadro com os mais comuns abaixo).
"A pessoa mais velha não fica mais esperta, não. A gente precisa mais das pessoas e acaba confiando em quem é gentil. E os golpistas são bons de papo, sabem conversar", analisa Aparecida Modernessi, 66 anos. Em 2018, ela quase foi vítima do golpe do motoboy. Uma pessoa entrou em contato se passando por funcionário de seu banco e informando que o cartão havia sido clonado. Para resolver o problema, seria necessário passar informações pessoais, como o número do cartão de crédito e o código de segurança.
"No início, parecia ser exatamente como o atendimento do banco, só percebi que poderia ser um golpe quando falaram que mandariam um motoboy para pegar o cartão na minha casa. Comentei com minha filha e ela me alertou que poderia ser um golpe", lembra.
Com operações sofisticadas, quadrilhas contam até mesmo com SAC falso para ludibriar as vítimas. Em abril deste ano, a 9; Delegacia de Polícia (Lago Norte) . Eles instalavam dispositivos para reter os cartões das vítimas. Depois, homens uniformizados se aproximavam fingindo querer ajudar os idosos, oferecendo-lhes um número de telefone da agência. No entanto, o número era de um outro núcleo da organização criminosa, responsável por conseguir as senhas dessas pessoas.
"A quadrilha tinha uma operação complexa, mas o que chama mais atenção é a escolha das vítimas. Eles relataram que a ação era focada nos idosos justamente pela vulnerabilidade", explica o delegado Tiago Carvalho, responsável pelo desmantelamento da quadrilha. As investigações descobriram que o grupo atuava no DF desde 2017, quando os primeiros casos foram registrados, e pode ter lucrado até R$ 1 milhão.
Como se proteger
Os especialistas orientam que a melhor maneira de evitar a armadilha é ficar atento e não hesitar em pedir ajuda a um familiar ou pessoa de confiança antes de tomar qualquer decisão, especialmente quando envolver o comprometimento de renda. Além disso, nunca aceitar a ajuda de estranhos que não sejam funcionários do banco devidamente identificados e evitar utilizar caixas eletrônicos à noite. É importante também sempre dar preferência aos caixas localizados em locais fechados, com segurança e maior movimento de pessoas.
"A dica é desconfiar e buscar educação. Não falo de educação clássica, a da escola, pois pessoas com nível superior também estão vulneráveis. Falo de educação específica contra golpes financeiros. Quando você tem um nível de educação financeira, é mais difícil cair em fraude", recomenda José Luiz Bianco Junior, presidente do Conselho dos Direitos do Idoso do Distrito Federal.
Outra dica Bianco é não oferecer nenhum tipo de informação por telefone. "Você pode orientar a pessoa idosa a dizer que quem mexe com o dinheiro é o filho ou a esposa, ou ainda que vai passar o telefone para outra pessoa. Esse simples ato já pode desarmar o golpista, que vai saber que a vítima não está sozinha", orienta.
É preciso também ter cuidado redobrado com prestadores de serviço (técnicos de telefonia, TV paga e internet) que aparecem sem ter agendado o serviço, e não fornecer qualquer informação sobre aposentadoria ou pensão por telefone, já que o INSS só faz recadastramento dos aposentados pessoalmente.
Outro lembrete é nunca, em hipótese alguma, anotar a senha no cartão. "Conheço pessoas com nível de educação considerável que usam o cartão de crédito de forma errada. Dificultar o acesso a senhas é importante e, para os idosos que não fazem compras pela internet, uma forma de evitar a ação de golpistas é raspar o código de segurança que fica atrás do cartão", acrescenta.
Fui vítima de golpe. O que devo fazer?
Vítimas de golpe podem se sentir intimidadas e envergonhadas ao perceber que foram enganadas. No entanto, é importante procurar imediatamente uma delegacia de polícia para relatar o fato, orienta o titular da 9; DP. Só assim a polícia poderá iniciar o processo de investigação. "Eles ficam constrangidos porque o golpe sempre vem de uma relação de confiança que é quebrada, mas é importante dizer que a vítima não tem culpa, os criminosos são especializados, treinados para conquistar confiança e enganar."
Carvalho explica que, em casos assim, dificilmente os valores extorquidos são devolvidos. "Via de regra, os criminosos fazem lavagem de dinheiro, gastam os valores muito rápido, então, dificilmente consegue-se chegar a esses valores para devolver às vítimas. Mas também tentamos sufocar essas pessoas financeiramente: bloqueamos contas, apreendemos imóveis, veículos e fazemos o sequestro de bens, tudo para que se tenha alguma possibilidade de ressarcimento", comenta o delegado.
Em todo o Brasil, o Disque 100, serviço do Ministério dos Direitos Humanos, contabilizou 37.454 denúncias de violações contra a pessoa idosa em 2018. Casos de negligência contra idosos e de violência psicológica lideram as denúncias (26,5%), seguidos por abuso financeiro e econômico (19%). No caso dos golpes bancários, o delegado é incisivo em afirmar que o alvo preferencial é a pessoa idosa. "A maioria das vítimas de golpes de banco é idosa. Posso dizer que esse número chega a 99%", comenta Carvalho.
O crime de estelionato, definido no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, tem pena de 1 a 5 anos de reclusão além de multa. No caso do crime praticado contra idosos, a pena dobra, e pode chegar a 10 anos de prisão.