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Crônica da Cidade

Visão do esplendor

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 03/09/2019 04:07
Vi apenas de relance, mas foi o suficiente para ser atingido pela beleza de maneira fulminante. Esplendiam com tal fulgor que pareciam figuras oníricas. Será que esses olhos são meus?

Enquanto o mundo explode, passei pela 402 Norte de carro e fiquei extasiado com a paisagem de ipês-amarelos. É preciso armar-se de câmaras, rapidamente, para registrar o flagrante, pois a floração é fugaz, só dura de 10 a 15 dias. É uma das nossas experiências mais intensas de enlevo estético. Parecem ter sido pintados pela loucura solar de um Van Gogh dos trópicos.

Quando esteve em Brasília, na década de 1970, Clarice Lispector escreveu que as árvores daqui eram mirradas e pareciam de plástico. Mas se Clarice visitasse a cidade em 2019, em pleno estio, seria tomada pela visão do esplendor.
O primeiro a florescer é o ipê-roxo, que poderia se confundir com o ipê-rosa, no entanto, tem uma copa mais frondosa. Na sequência, é a vez do amarelo, que esplende em árvores de pequeno porte.

O fenômeno ensejou a invenção de um novo esporte lírico: a contemplação de ipês. Se ocorresse em outro período, poderia passar desapercebido, mas a floração ganha mais realce porque acontece no período da seca mais extrema, quando o planalto se crispa, a vegetação se eriça, se arma em riste e se impregna de uma natureza feroz de deserto.

Ao caminhar ou ao dirigir o carro pelo Plano Piloto, em um átimo, você pode virar a cabeça e ser atingido pela epifania. Os ipês foram plantados no Plano Piloto pela Novacap, que faz pesquisas num raio de 500 km no Distrito Federal, em Goiás e em Minas Gerais, na busca de espécies. As sementes são recolhidas e inseridas em viveiros para germinação das mudas.

Em média, as flores demoram oito anos para florescer. Elas compõem um contraste perfeito com a aridez da paisagem e com o cenário concreto da arquitetura modernista.

Por alguns instantes, esqueci da ignorância, da tolice, da barbárie e da covardia em que o país está mergulhado. Realmente, é preciso registrar com uma câmara, pois, senão, ninguém acredita que exista tamanha beleza.

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