Cidades

Artigo: ''Que é isso, excelência?''

Plácido Fernandes
postado em 09/09/2019 01:30
martelo com duas setas em cimaExiste o crime de desacato à autoridade e, claro, deve haver igualmente legislação que puna os abusos de juízes, integrantes do Ministério Público, policiais, agentes do Fisco e de outros servidores que atuam em nome do Estado. Nos próximos dias, o Congresso deve se reunir para discutir vetos do Planalto ao projeto de lei que teria como finalidade punir os excessos de autoridades. Digo teria, no futuro do pretérito, porque diversos pontos do projeto são uma clara retaliação à Lava-Jato, que mudou a história do combate à corrupção no país, ao acabar com a impunidade de poderosos, como políticos influentes, grandes empresários e outros agentes públicos. Até então, salvo pontos fora da curva, como no caso do Mensalão, essa gente era intocável. Daí a tentativa de vingança das excelências, deputados e senadores, num momento em que cibercriminosos que invadiram celulares de integrantes da força-tarefa são celebrados por alguns como se fossem ;guerreiros do povo brasileiro;.

Não custa rememorar: a impunidade no Brasil sofreu um violento revés desde que, reunidos na Lava-Jato, policiais federais, integrantes do Ministério Público e juízes desmontaram o maior esquema de corrupção de que se tem notícia na história do Brasil e conseguiram processar, julgar e pôr na cadeia alguns dos mais proeminentes ladrões dos cofres públicos do país. Só da Petrobras, apontam as investigações, roubaram mais de R$ 40 bilhões. Mas, ao que tudo indica, a sangria ao erário foi generalizada e, em grande parte, responsável pela crise ética e financeira em que o país naufragou no governo Dilma e nunca mais conseguiu sair, por completo, do fundo do poço. A lama ainda está no pescoço dos brasileiros.

Não à toa, a maioria da população, mostram pesquisas, apoia a Lava-Jato e até vê alguns dos seus integrantes como heróis. Manifestações públicas a favor da força-tarefa causam ciúmes e despertam a ira de segmento expressivo do status quo, abrigado na cúpula dos três poderes, que sempre a enxergou como inimiga. Há, também, parcela influente de brasileiros, com destacada atuação em redes sociais, que aplaude os bandidos como se fossem verdadeiros heróis. Alguns, cinicamente, argumentam que maracutaia de ladrões do colarinho branco, por motivação financeira, é um ;crime não violento;, sem grande potencial de dano à sociedade. Fingem desconhecer o fato de que o dinheiro roubado mata milhares de brasileiros ao não chegar a hospitais desaparelhados, sem médicos e sem remédios básicos; a estradas esburacadas, sem asfalto, sem sinalização, sem nada; à segurança pública, sem estrutura e sem policiais suficientes, deixando a população entregue à própria sorte. Sepulta, ainda, o futuro de crianças de escolas oficiais onde faltam merenda, livros e, em plena revolução digital, até hoje não têm computadores e, às vezes, nem mesmo internet...

Concordo que transformar, intencional e deliberadamente, prisões em espetáculos públicos pode ser enquadrado como crime. Não se deve expor suspeitos e presos à execração pública. No entanto, o que dizer da detenção do juiz que, dentro de prazo razoável, não conceder habeas corpus ou substituir a prisão preventiva por medida cautelar quando a lei permitir? Para magistrados que mandam soltar de ofício, sem precisar sequer a defesa pedir, é uma festa. Mas, para aqueles que não compactuam com o crime, é o fim da Justiça. Ou, a lei às avessas: bandidos mandam, juízes obedecem.

O que dizer, então, da obrigação de o agente público se identificar para o preso? No caso do político, pode servir para ele destruir a carreira do policial. No de um chefão do tráfico... Que é isso, excelência?

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