postado em 10/09/2019 04:07
A educação é uma das formas apontadas por especialistas para combater os abusos contra meninos e meninas. O Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes defende que as escolas ensinem educação sexual como forma de prevenção. ;Nós buscamos desmistificar esse olhar de que educação sexual na escola é ideologia de gênero, é ensinar a criança a fazer sexo. Não tem nada a ver;, afirma Karina Figueiredo, membro da coordenação do comitê. ;Educação sexual é para proteção da criança. E tem de ser séria, respeitando as etapas de desenvolvimento.;
Um dos eixos de trabalho do comitê é envolver meninos e meninas diretamente na prevenção. Com anos de experiência, Karina Figueiredo diz ser comum encontrar, por exemplo, uma adolescente que começou a ser abusada na infância, mas que não sabia ter sido vítima de violência. ;Só foi entender quando estava mais velha, porque não ensinaram para ela que ninguém podia tocar em suas partes íntimas, não disseram como diferenciar um toque de afeto de um toque erotizado, que se acontecesse alguma coisa ela deveria contar para alguém de confiança. A autoproteção é fundamental;, ressalta.
Fernanda Falcomer, chefe do Núcleo de Estudos, Prevenção e Atenção à Violência (Nepav) da Secretaria de Saúde, também defende a educação sexual. Para ela, lições sobre o assunto não expõem a criança a ter uma relação sexual precoce. ;Na verdade, evita. A criança informada, quando tocada com desconforto, numa parte íntima, vai conseguir contar mais rápido e nós conseguimos diminuir a duração da violência;, explica. ;Se não souber, ela vai ficar vendida, porque será alguém de maior poder, com maior maturação neurobiológica, contra alguém que não tem condição neurobiológica de responder.; Ela cita, por exemplo, o pai molestador que diz para a criança que a toca daquela forma porque a ama. ;É macabro. E aí a gente priva a criança de compreender isso e de pedir ajuda.;
A prevenção tem de ser feita com as famílias também, ressalta Fernanda Falcomer. Com mais informações sobre a forma de agir de abusadores, adultos têm condições de proteger as crianças. ;O pedófilo rompe barreiras, se põe ao lado da mãe, do pai, ganha a confiança. Veja o João de Deus. O pai de uma menina estava na mesma sala enquanto ela era abusada.;
Falcomer relata o caso de uma mãe que só compreendeu o que o pai fez com ela ao levar o filho, abusado por uma outra pessoa, para atendimento. ;Quando a gente começou o trabalho com o menino, ela entrou num pranto que o garoto não entendia e a gente também não;, afirma. No atendimento em separado, ela relatou que o pai a chamava para a roça e lhe dava doce em troca do abuso. Além de não entender que era vítima de violência, ela se sentia culpada porque não dividia os doces com os irmãos.
Pais ou responsáveis também têm de ser orientados sobre a necessidade de conversar com crianças e adolescentes a respeito do tema e como abordá-lo. ;A gente sabe que isso é difícil, porque falar sobre o assunto é um tabu grande. E, às vezes, a família não identifica o abuso. Muitas mães que passaram por uma situação assim acham que faz parte da vida da mulher;, frisa Karina Figueiredo (CB)
De olhos fechados
A advogada Camila Ribeiro disse que foi abusada pelo médium João de Deus, em 2008, durante atendimento espiritual em Abadiânia. Ela contou que tinha 16 anos à época e que o pai estava na sala, mas, a pedido do religioso, ficou de costas, com os olhos fechados e rezando. Camila disse que chorou muito durante o abuso, mas o pai acreditava que era porque ela estava sendo curada. ;Eu nunca podia imaginar que ela estava na mão de um bandido;, afirmou o pai, em entrevista ao Fantástico. João de Deus é acusado de uma série de abusos sexuais e está preso desde dezembro do ano passado.