Cidades

Crônica da Cidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 12/09/2019 04:07
Alienação do cronista
Um cronista deve falar de questões sociais ou é melhor que fique com os assuntos amenos? A dúvida assola várias pessoas. E, confesso, que eu mesmo vivo o dilema. De outra parte, de vez em quando, alguém me sopra no ouvido: ;O que Rubem Braga diria da situação vivida pelo país na atualidade?;

O mestre da crônica ficou com a imagem de alienado lírico incurável, a discorrer, infinitamente, sobre o voo de borboletas ou a gentileza dos passarinhos. Mas trata-se de engano. O ilustre colega foi extremamente combativo e escreveu sobre os principais problemas do século: rebelou-se contra o nazismo, denunciou as torturas durante governos ditatoriais, protestou contra as guerras, brigou pelo monopólio da Petrobras, se revoltou contra a fome, debateu as inovações da arte moderna, defendeu a estabilidade do emprego dos trabalhadores e chamou a atenção para a indiferença dos governos com os miseráveis.

;É difícil mesmo ser cronista neste país;, escreveu Braga. ;O primeiro mandamento de um cronista é variar de assunto, saltar disto para aquilo, falar de bois e de nuvens, de máquinas e metafísicas. Pois isso não se pode fazer. O país é horrivelmente monótono. Seus males e suas vergonhas se repetem com tão insistente despudor que o remédio é voltar a eles;.
As notícias de torturas nos quartéis durante a ditadura não passaram em branco: ;Que os quartéis do Exército sejam locais de espancamento e tortura é coisa que não pode agradar a nenhum militar honrado. A covardia é algo que repugna fortemente os homens de farda. Infelizmente, a verdade é que a Revolução tem seus primeiros meses marcados por essa mancha detestável;.
Mais do que cronista, ele se considerava jornalista, uma máquina de escrever, com algum uso, mas ainda em bom estado de funcionamento. Fez até uns versinhos para brincar com a opção de jornalista: ;Quando eu era rapazinho/Queria ser intelectual/Mas hoje sou jornalista/Que faço eu no jornal?/Sou cozinheiro do trivial/Sou cozinheiro do trivial!”.

Os governos autoritários sempre foram alvo da ironia, da sátira e do humor, que raiavam a poesia: ;Parece que vão fazer uma lei para proibir dizer essas e outras coisas. Como não gosto de cadeia, passarei a falar das borboletas azuis. Encherei as colunas deste jornal e os ares desta República de borboletas azuis até que seja proibido falar das borboletas azuis. Então, se me permitirem, falarei das borboletas amarelas. Há muitas borboletas e muitas cores neste país; estou sereno e otimista;.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação