postado em 13/09/2019 04:07
Lago Paranoá
Confesso que sou um usuário. Não disso que vocês estão pensando, mas sim do transporte público. Circulo muito de ônibus e, em um desses deslocamentos, encontrei André Correia, aluno do curso de jornalismo em que eu era professor e, mais tarde, colega de redação.
Confesso que sou um usuário. Não disso que vocês estão pensando, mas sim do transporte público. Circulo muito de ônibus e, em um desses deslocamentos, encontrei André Correia, aluno do curso de jornalismo em que eu era professor e, mais tarde, colega de redação.
Perguntei em que jornal estava trabalhando e ele me respondeu que havia mudado de profissão e agora era professor de educação física no Lago Paranoá, que faz 60 anos hoje.
Estudou jornalismo, mas o esporte aquático estava no sangue e, ao fazer um trabalho de escola sobre um plano de negócio, concebeu uma empresa de instrução de remo. Isso o levou até o curso de educação física.
O avô, Agenor Correia, havia sido campeão de remo muitas vezes nas décadas de 1930 e 1940; o pai, Dozinho, fundou o remo olímpico em Brasília. Agora, André passa boa parte de sua vida dentro do Lago Paranoá.
;O que é esse Lago para você?;, pergunto. ;É uma joia, é uma maravilha;, responde André, com entusiasmo. ;Garante o equilíbrio ecológico do brasiliense. Talvez sem esse Lago, Brasília fosse ainda mais árida, pois o cerrado foi muito devastado. O Lago dá um alívio;.
Digo a André que desconfio da poluição do Lago, mas ele discorda: ;Nos primeiros tempos, as árvores não foram retiradas. A matéria orgânica apodreceu, e a gente sentia o mau cheiro de longe. No entanto, agora existem poucos pontos isolados de poluição, como é o caso da área próxima à estação de tratamento de esgoto, no fim da Asa Norte;.
Ao percorrer o Lago, André se depara com lugares em que a água é translúcida. É uma Brasília diferente que se apresenta. Os biguás, os mergulhões e as garças fazem a festa para os olhos. Ele encontra muitas famílias de capivaras, jacarés em lugares isolados e ariranhas em ocasiões mais raras.
O Lago me parece um lugar traiçoeiro. Onde mora o perigo? ;Sim, tem razão. É porque você tem uma visão plana na beira da Prainha, mas, se vai para o meio da Ponte Honestino Guimarães, a profundidade e o volume de água aumentam. Muita gente morreu afogada ali. É porque o relevo acompanha a descida por onde passava o Rio Paranoá. Sempre recomendo que se nade só nas margens;.
A liberação da orla estimulou um movimento de ocupação da beira do Lago. André prevê que a área, se houver investimento, se transformará em um território de lazer semelhante ao que é hoje a Água Mineral. Todavia, até lá existe um longo caminho a percorrer: ;Primeiro, o poder público precisa oferecer mais áreas urbanizadas no Lago. Ele não está preparado para receber pessoas. Depois, é preciso investir pesado em educação. Você sabe, educação é tudo;.
André diz que um dos instantes de maior alumbramento acontece quando o céu desce e se mistura com o Lago nas alvoradas e nos poentes. É um momento de beleza sobrenatural.
Desembarquei no meu ponto, André seguiu viagem e fiquei pensando: para mim, o Lago é uma entidade mítica. Tivemos a nossa Atlântida soterrada: a Vila Amauri. É o Lago que me dá a ilusão de que o sertão virou mar.