Cidades

Crônica da Cidade

postado em 17/09/2019 04:06
O riso de JK

Gostava muito de conversar com o professor e poeta Cassiano Nunes para ouvir histórias de Oswald de Andrade, de quem ele era amigo. Oswald era de uma inteligência borbulhante e elevou o humor ao plano da poesia: ;Amor= Humor;. Lembrei de Oswald porque estamos assolados por autoridades que cometem piadas que, em vez de divertir, deprimem pela ausência de humor.

O crítico Antonio Candido era muito amigo de Oswald e estava preocupado, porque o autor da teoria antropofágica queria apresentar tese na USP, sem o desejável preparo acadêmico: ;Eles vão te massacrar na banca, Oswald,; advertiu Candido. ;A linguagem filosófica é muito especializada;.

Oswald pediu que lhe fizesse uma pergunta bem difícil e simulasse uma arguição na banca: ;Vamos lá, senhor Oswald de Andrade, qual o escopo da dimensão ontológica da antropofagia?;. Oswald não se abalou e respondeu, à queima-roupa: ;Meus senhores, a questão da antropofagia não é ontológica; é odontológica. Mais alguma pergunta?;.

Essa evocação me veio ao folhear um livro de perfis de Otto Lara Resende, organizado por Ana Miranda, narrando a visita de Oswald a Belo Horizonte para realizar palestra que, por tortuosos caminhos, estabelece conexão com Brasília. A certa altura, Oswald começou a desancar os intelectuais católicos Tristão de Athaíde (a quem chamava de Tristinho de Ataúde) e Plínio Salgado. Disse que era terrível que jovens tão generosos, em vez de estarem formando ao lado das forças progressistas, se abrigassem à sombra de uma instituição tão conservadora quanto a Igreja Católica.

Criticou, também, alguns intelectuais europeus exilados no Brasil. Acusou o grande crítico austríaco Otto Maria Carpeaux de ser colaboracionista do nazismo. O então jovem escritor Otto Lara Resende ficou indignado e pediu provas de tão grave acusação. Oswald não se intimidou e replicou: ;Ora, não se irrite Otto Lara Carpeaux de Resende;. O crítico Paulo Emílio Salles Gomes subiu em uma cadeira e berrou: ;Que morra a geração da piada!”.

E, para culminar a noite de escândalo, a bela Maria Antonieta de Alckmin, a mulher de Oswald, cantada ternamente em um belo poema (;Toma conta do céu, toma conta de mim/Maria Antonieta d;Alckimin;), desmaiou de maneira sublime.

A conferência foi encerrada e, quando estava do lado de fora do salão, Otto Lara Resende sentiu um toque no ombro. Era Oswald, felicíssimo: ;Muito bom, deveríamos repetir o espetáculo. É preciso agitar o brejo;.

Oswald ainda suplicou a Otto que incentivasse o amigo Nelson Rodrigues a dar continuidade a uma polêmica pelos jornais. Nelson alçou Oswald à condição de ;vaca premiada modernista, com argola no focinho;, e Oswald replicou que Nelson era ;o nosso taradão ilustre com ferraduras mentais de analfabeto;.

Com os olhos puxados e cara de chinesinho, o prefeito de Belo Horizonte saiu, discretamente, mas se sacudindo de rir em plena sintonia com o espírito modernista de Oswald. Era Juscelino Kubistchek, o homem que construiu Brasília.




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