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Crônica da Cidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 22/09/2019 04:06
Sandálias da humildade

Ao ver ou a ler uma avalanche de notícias sobre excelências, meritíssimos, digníssimos e senhorias lembrei de uma frase de Céline, um dos meus escritores preferidos: ;Toda vaidade é burra, não existe vaidade inteligente;. Mas, na verdade, a constatação não se aplica somente às autoridades supracitadas, mas a toda a humanidade, a começar por cada um de nós. Essa carapuça cabe na cabeça de todos os mortais.

Quem não caiu ou cai na tentação que atire a primeira pedra. É preciso ficar atento o tempo todo. E a vaidade leva, quase sempre, à soberba. Por que devemos nos precaver contra esses vícios? Porque, ainda que estejamos no ápice da carreira ou da posição de poder, nós não estamos com esta bola toda.

A vida nos traz muitas situações imprevisíveis. Podem acontecer muitas
coisas que interferem no curso de nossas vidas. Os deuses não cessam de jogar os seus dados. Por isso, sabedoria recomenda calçar as sandálias da humildade. Sempre me interessei pelo tema, mas nunca havia encontrado uma definição convincente.

No entanto, recentemente, uma palestrante formulou um conceito interessante. Segundo ela, a humildade é a consciência de quem você é e de quem é o outro. Quem está ciente de suas qualidades e de seus limites, de sua força e de sua vulnerabilidade, fica mais protegido da vaidade e da soberba. Humildade não é humilhação.

Estava perdido em especulações sobre o tema da humildade há algumas semanas quando, de repente, percebi uma pequena mancha vermelha no peito. A princípio, imaginei tratar-se de uma picada de aranha, pois moro em um condomínio próximo a uma mata cerrada.

No entanto, resolvi ir ao médico e ele fez o diagnóstico fulminante: é herpes-zóster. Pouparei o leitor de detalhes, mas direi apenas que não desejo a ninguém passar pela experiência.

A minha neta Aurora, de 6 anos, gosta de segredos. Pouco antes da minha doença, ela me convocou para uma cumplicidade, me chamou e sussurrou em meu ouvido: ;No dia 30, vou te dar um beijo;. Devolvi em tom de voz bem baixinho: ;Valeu!”

Felizmente, já estou completamente curado, mas, nos tempos da doença, não deixei que familiares, amigas e amigos chegassem perto, por cuidado, mas também por paranoia. Contava a história da Aurora e avisava: ;No dia 30, darei um abraço do lasca em vocês;.




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