postado em 23/09/2019 06:00
Um dos crimes que mais chocaram a capital federal, o triplo assassinato de José Guilherme Villela, 73 anos, ministro aposentado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e da advogada Maria Villela, 69, além da empregada da família, Francisca Nascimento Silva, 58, está prestes a ter um desfecho na Justiça. A filha mais velha do casal, Adriana Villela, 55, irá a júri popular nesta segunda-feira (23/9), mais de uma década após o caso. A primeira das cinco sessões previstas começa às 9h. A ré responde por triplo homicídio e furto qualificado.
A arquiteta e artista plástica é apontada, segundo denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), como a mandante do assassinato dos pais, mortos a facadas em 28 de agosto de 2009. O caso, conhecido como crime da 113 Sul, ganhou destaque não apenas pela brutalidade, mas também pelos erros da Polícia Civil na apuração. A investigação teve registros de provas plantadas, divulgação de informações sigilosas sobre o caso e a participação de uma paranormal, que teria direcionado parte do trabalho dos investigadores (leia Memória).
Na semana retrasada, a defesa de Adriana Villela entrou com pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a forma de coleta das provas na cena do crime. No documento, os advogados da arquiteta também pedem a anulação da sentença que leva o caso para júri popular. O principal argumento é a contradição entre dois laudos da Polícia Civil, um produzido pelo Instituto de Criminalística (IC) e, outro, pelo Instituto de Identificação (II).
O laudo do II é uma das principais provas da acusação e traz as digitais da arquiteta, que, segundo a denúncia, comprovariam que ela esteve na cena do crime. Mas o IC revelou que o laudo da perícia papiloscópica ;não possui o rigor científico necessário; e ;não conseguiu determinar a idade da impressão questionada de forma inconteste;. A defesa argumentou que o laudo não tem rigor científico e que poderia gerar incertezas.
Andamento
Em fevereiro, o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou os recursos, confirmou a decisão da jJstiça de primeiro grau de encaminhar o caso para júri popular e apontou indícios de envolvimento de Adriana no caso. Por isso, os advogados da ré recorreram ao STF.
Mesmo com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), assinado em 2 de setembro pela subprocuradora-geral, Cláudia Sampaio Marques, o ministro do STF Roberto Barroso não excluiu o laudo do IC e decidiu que o juiz-presidente do Tribunal do Júri deverá esclarecer aos jurados que um dos laudos do processo foi feito por sete técnicos papiloscopistas da Polícia Civil, não considerados peritos oficiais.
Novamente, a defesa recorreu, com dois habeas corpus, para solicitar a anulação da análise em júri popular e uma reavaliação da decisão do ministro Barroso. O magistrado negou a reconsideração e o pedido será avaliado pela 1; Turma do STF. O segundo, encaminhado para o ministro Gilmar Mendes, foi negado. Com isso, ficou mantida a sentença de pronúncia ; que leva o caso para júri popular.
Quando o juiz que analisou o caso no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) considerou haver indícios de autoria e materialidade do crime, ele decidiu que o caso deveria ir para o Tribunal do Júri. A existência de indícios, ainda que o juiz não esteja convencido da autoria do crime pelas provas apresentadas, é suficiente para que o processo seja levado a júri popular. A defesa pode recorrer, como foi o caso, mas, diante das negativas, a decisão soberana caberá aos jurados.
A ré
Adriana Villela, 55 anos
Arquiteta e artista plástica
Filha de José Guilherme e Maria Villela, é considerada, segundo as investigações, a mandante do crime. As motivações seriam a herança e a revolta com a mesada de R$ 8,5 mil dada pelos pais. Chegou a ser presa duas vezes. Mora no Rio de Janeiro.
Condenados
Três dos acusados de cometer o crime cumprem pena na Papuda. O ex-porteiro do Bloco C Leonardo Campos Alves (E), o comparsa Francisco Mairlon e o sobrinho dele, Paulo Cardoso Santana (D), foram condenados, juntos, a 177 anos de prisão. A delegada Martha Vargas, a primeira a investigar o caso, foi acusada de manipular a apuração para responsabilizar inocentes. Condenada a 16 anos de prisão, ela cumpre pena em casa, com uso de tornozeleira eletrônica. José Augusto Alves, então agente da Polícia Civil, foi acusado de torturar inocentes e condenado a três anos, um mês e 10 dias de prisão.
Titular da Vara do Tribunal do Júri de Brasília, o juiz Paulo Rogério Santos Giordano conduzirá o julgamento de Adriana Vilela, acasada de ser a mandante do assassinato dos pais delas e da empregada da fam[ilia. O conselho de sentença fica responsável pela condenação ou pela absolvição da ré e é composto pelo magistrado, além de 25 jurados, cujo quórum mínimo necessário para que a sessão comece é de 15 pessoas. Os nomes deles serão colocados em uma urna e haverá um sorteio para a seleção de sete, após análises de pedidos de dispensa, segundo as regras previstas em lei para garantir a imparcialidade.
Durante os cinco dias previstos para o julgamento, os sete jurados selecionados ficarão incomunicáveis, sem poder falar com outras pessoas ou manifestar opinião sobre o processo. Eles não poderão deixar o tribunal e ficarão sob acompanhamento constante para se alimentar, cuidar da higiene e passar a noite.
O grupo receberá cópias de peças do processo e acompanhará todas as sessões, podendo fazer perguntas intermediadas pelo juiz. No fim, o magistrado presidente fará questionamentos aos jurados sobre o crime, a autoria, a condenação ou a absolvição, a diminuição de pena, os atenuantes e a qualificadoras. Por fim, o magistrado lerá a sentença, levando em conta as considerações dos jurados e anunciando o resultado. As sessões serão abertas para interessados, mas com presença limitada à quantidade de assentos disponíveis no plenário.
As teses
O que diz a acusação
;Nossa tese é de que a Adriana foi a mandante do crime. (Em relação ao laudo das digitais,) está na legislação sobre a Polícia Civil que quem coleta, processa e faz essa apreciação dentro da polícia técnica do DF é o Instituto de Identificação. Na estrutura da PCDF, não pode haver contralaudos emitidos de um instituto contra o outro. Isso foi mais uma das irregularidades que ocorreu na Polícia Civil do DF, mas a direção-geral esclareceu esse fato. É uma briga corporativa que trouxeram para dentro do processo. O importante é que quem tem a expertise, conhecimento sobre essa matéria é o Instituto de Identificação. A única perícia dentro dos conteúdos técnicos é a do Instituto de Identificação, o resto são pareceres tentando derrubar argumentos. (Acerca do comportamento da Polícia Civil,) ele é sintomático, no sentido de tentar afastar a verdade. Foi um comportamento errado, que não tem como ser defendido, no sentido de afastar a Adriana do polo ativo do crime. Sabemos que não foi um latrocínio. O motivo é financeiro. Isso consta da denúncia.;
Maurício Miranda, promotor do Tribunal do Júri de Brasília
O que diz a defesa
;Não temos maiores preocupações com o júri. Achamos que fazer o júri, já que ela (Adriana) foi pronunciada, é uma necessidade. Temos confiança plena em nossa tese. Produzimos uma defesa muito forte. Na realidade, no processo penal, quem tem de produzir a prova é a acusação. No caso da Adriana, fomos além. Fizemos o que chamamos de prova negativa. Conseguimos fazer uma linha do tempo que comprova de forma cabal (o álibi de Adriana). A não ser que ela tivesse o dom da ubiquidade, para nós, essa linha do tempo comprova que ela não poderia estar na casa dos pais. Temos uma defesa técnica muito bem feita. Eles (acusação) gostam de atrapalhar a imagem da Adriana dizendo que ela era inimiga dos pais. Não há um único testemunho sério que demonstre qualquer tipo de animosidade entre Adriana e os pais. Nunca houve. São vários os amigos e parentes que fazem depoimentos favoráveis a ela. Várias outras pessoas são plenas em dizer que eles (família) tinham um relacionamento bom, com rusgas normais que acontecem entre pai e filho. Há uma deturpação da imagem dela. Vulgar, até, eu diria.;
Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), advogado de Adriana Villela
; Memória
2009
Agosto
José Guilherme Villela, Maria Carvalho Mendes Villela e Francisca Nascimento da Silva são mortos a facadas no apartamento 601/602 do Bloco C da 113 Sul. O crime acontece entre as 19h30 e 20h30. Três dias depois, a polícia é acionada e encontra os corpos no apartamento. O caso fica sob a responsabilidade da 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul).
Outubro
A paranormal Rosa Maria Jaques, moradora de Porto Alegre, se apresenta 1; DP com a ;missão espiritual; de ajudar nas investigações. Ela teria indicado à delegada Martha Vargas, responsável pelo caso, a localização da casa dos supostos assassinos.
Novembro
Com base na ajuda da vidente, agentes chegam a um lote em Vicente Pires e prendem dois homens. Segundo a polícia, no local, havia uma chave que abria a porta do imóvel dos Villela. O Instituto de Criminalística (IC) divulga laudo parcial com a dinâmica do triplo homicídio. Pelo menos dois criminosos atacaram as vítimas, que levaram, ao todo, 73 facadas.
A Justiça determina que o caso saia da alçada da 1; DP e vá para a Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida).
Um vizinho da dupla presa em Vicente Pires também é detido. Os três são mantidos na prisão por um mês como suspeitos do triplo homicídio, mas acabam liberados por falta de provas.
2010
Abril
Adriana Villela depõe na Corvida como suspeita do triplo assassinato. O Correio publica reportagem exclusiva mostrando que peritos da Polícia Civil comprovaram que a chave encontrada na casa de suspeitos em Vicente Pires havia sido fotografada no apartamento dos Villela no dia da primeira perícia. O objeto é descartado como prova.
Martha Vargas é exonerada da chefia da 1; DP. Os três homens presos em novembro passado afirmam que foram torturados por policiais daquela delegacia para confessar a participação no crime.
Agosto
Cinco pessoas são presas, entre elas, Adriana Villela e a paranormal Rosa Maria Jaques, sob a acusação de atrapalharem as investigações policiais e imputarem falsamente o crime a terceiros.
Setembro
Adriana é denunciada à Justiça pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O Tribunal do Júri de Brasília aceita a denúncia no mês seguinte.
Novembro
O ex-porteiro do Bloco C da 113 Sul Leonardo Campos Alves é preso em Montalvânia (MG). Agentes da 8; Delegacia de Polícia (SIA) descobriram o envolvimento dele por meio de uma investigação paralela. A polícia confirma a participação de um comparsa de Leonardo. Paulo Cardoso Santana, preso preventivamente em Montalvânia desde 14 de julho de 2010 por latrocínio, também dá detalhes do crime. Mas os depoimentos divergem.
Uma nova testemunha conta à polícia sobre a existência de um mandante. Ela garante ter sido procurada por Leonardo, que mostrou interesse em contratá-lo a mando de outra pessoa. No dia 23, a Corvida prende o terceiro suspeito do crime: Francisco Mairlon. Ele teria executado as vítimas e agido a mando de uma pessoa.
2011
Janeiro
O Tribunal do Júri de Brasília decreta a prisão preventiva dos três homens acusados de envolvimento no triplo homicídio. Leonardo, Paulo e Francisco são denunciados à Justiça pelo MPDFT. Adriana Villela é presa pela segunda vez, mas liberada no dia seguinte.
2012
Março
Acusados são ouvidos em audiência judicial. Leonardo Campos alega ter sido torturado psicologicamente pelos policiais.
2013
Maio
A Justiça determina que Adriana e os demais réus irão a júri popular.
Dezembro
O Tribunal do Júri de Brasília condena Leonardo e Francisco. Adriana Villela e Paulo Cardoso Santana conseguiram ter o julgamento adiado.
2015
Abril
A Justiça mantém sentença que leva Adriana Villela e Paulo Cardoso para o Tribunal do Júri.
2016
Agosto
A delegada Martha Vargas é condenada por improbidade administrativa. A Justiça determina que ela perca os direitos políticos por cinco anos, pague multa e tenha a aposentadoria cassada.
Dezembro
O Tribunal do Júri condena Paulo Cardoso Santana.
2018
Dezembro
A defesa de Adriana entra com recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para livrá-la do julgamento em júri popular. A Corte adia a decisão.
2019
Fevereiro
O STJ nega recurso da defesa e mantém o tribunal do júri.
Abril
A defesa consegue liminar em 2; instância no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) para suspender o processo.
Junho
O STJ nega embargos e mantém júri popular. A defesa de Adriana alega que houve omissão nos laudos periciais, mas a Corte entende que o pedido não se sustentava e mantém a decisão inicial.
Agosto
O Tribunal do Júri de Brasília marca julgamento de Adriana Villela para 23 de setembro.
Setembro
A defesa recorre ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a sentença que leva Adriana a júri popular. O ministro Luís Roberto Barroso acata parcialmente. A defesa recorre, mas o magistrado nega a reconsideração. O pedido será analisado pela 1; Turma. O ministro Gilmar Mendes indefere outro pedido dos advogados e mantém julgamento no Tribunal do Júri.