postado em 23/09/2019 04:15
Em uma sala pequena, improvisada na parte superior da casa do musicista Edson Araújo, as notas dos violinos ecoam e dão o tom aos sonhos de futuros profissionais da música. É assim, todas às quartas e sábados em Taguatinga, durante as aulas do Projeto Semear. Como o professor diz, mais do que formação de músicos, é naquele espaço que ele semeia artistas, com o objetivo de que eles possam render bons frutos.
Edson é musicista há 40 anos. Ele começou a tocar aos 15. ;Fui me profissionalizando e conquistando bolsas de estudo. Eu comecei a ganhar um salário mínimo para estudar na Universidade de Brasília (UnB) e, em troca da bolsa, nós, alunos, dávamos aulas de música;, recorda o professor. Edson conta que a bolsa de estudos foi o trampolim para entrar na Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, onde trabalha até hoje.
Porém, a paixão por ensinar não ficou dentro da universidade. Edson aproveitava o tempo livre para dar aulas particulares, mas, há cerca de 10 anos, decidiu compartilhar o talento gratuitamente, quando nasceu o Projeto Semear. Nas aulas, o professor trabalha as competências cognitivas, técnicas relacionais e emocionais.
A ideia do nome veio em um simples curso de produção de mudas de Araucária. ;Jogávamos fora as sementes feias e me questionei o motivo de dispensar aquelas sementes e não dar a chance de elas serem plantadas. Resolvi cultivá-las, e o resultado foi a produção de lindas mudas. Para mim, cada aluno que chega é como uma semente daquela, que deve receber toda oportunidade, atenção e afeto;, diz Edson.
Para participar das aulas, basta a força de vontade. O professor afirma que não faz seleção e não cobra que as pessoas tenham talento. O desafio é começar do zero e despertar em grupo o potencial dos alunos. ;O mais difícil é motivá-los. Eu acredito mais neles do que eles mesmos. Qualquer um pode ser um musicista. O segredo é a persistência;, garante.
Amor
Atualmente, Edson dá aula para cerca de 30 alunos, entre crianças, jovens, adultos e idosos. A estudante Júlia Dias, 10 anos, é nova na classe. Frequenta as aulas há uma semana. Além da orientação do professor, ela conta com o apoio de outros alunos para aprender as técnicas exigidas pelo violino. Com calma, eles ensinam como segurar o instrumento, e o professor apresenta as notas musicais. ;Eu queria muito aprender a tocar violino. O meu pai gosta e eu também. Eu nunca tinha tentado. Quero aprender a tocar e ensinar;, ressalta a menina.
Assim como Júlia, o militar aposentado Antônio José Inácio, 69, dá os primeiros passos no mundo da música. Frequentando as aulas há cerca de dois meses, ele fala sobre as expectativas. ;Eu sempre gostei de música, embora não conhecesse. Para minha satisfação pessoal, quero estar preparado caso alguém precise de alguma orientação musical, mas, se eu chegar a um nível condizente de tocar um contrabaixo, pretendo tocar em uma orquestra;, conta.
Edson explica que o objetivo do projeto vai além de ensinar os participantes a tocar instrumentos. A ideia é que dali saiam novos profissionais dispostos a ensinar as técnicas musicais a outras pessoas. ;Eu ensino para alguém, esse alguém ensina para outra pessoa e por aí vai. Entrei em um projeto, aprendi música, fui monitor e hoje sou professor. Acho que essa é a melhor forma de educação;, enfatiza. Além de formar futuros professores, Edson pretende despertar o sentimento humanitário nos participantes. ;Quero que eles cobrem pelas aulas deles, mas também quero que eles se voltem para o social. Aqui é um projeto de amor, no qual a gente coloca a cara, a coragem, o nosso suor e as nossas dores;, completa.
De pai para filho
O artista plástico Edvaldo Carmo, 70, e o estudante Tiago Carmo, 25, pai e filho, aprendem lado a lado como manusear os instrumentos. Edvaldo conta que sempre gostou de música e, incentivado pelo pai, que era músico, teve o primeiro contato com instrumentos musicais aos 15 anos. Hoje, além de artista plástico, Edvaldo é luthier, profissão destinada à confecção e recuperação de instrumentos. Além disso, ele ajuda o Semear a recuperar equipamentos antigos doados.
Porém, a participação dele não fica no conserto dos objetos. Edvaldo também aprendeu a tocá-los. ;O meu objetivo principal aqui era incentivar os meus dois filhos. Eles me convidaram para vir. No início, eu não estava muito animado, mas, depois, eles me falaram que era de graça, e decidi tentar;, ressalta. Para Tiago, que conheceu o projeto há dois anos, por meio de amigos com quem jogava futebol, o pai é o seu maior incentivo, pois sempre trouxe a música para dentro de casa. ;Ele faz instrumentos musicais; então, não tinha como não gostar;, justifica o estudante.
Nas aulas, é visível que o objetivo do professor Edson é alcançado a cada encontro. Cada um ajuda da forma que pode. Edson doa parte do seu tempo, o espaço, alguns instrumentos e conhecimento. Edvaldo encarrega-se de garantir que todos os alunos tenham instrumentos de qualidade. Até os armários da sala foram confeccionados por um aluno marceneiro. A equipe mostra o verdadeiro significado de trabalho em grupo, em que todo mundo ajuda e sai ganhando. Os experientes auxiliam os mais novos, e a palavra ensinar está presente no discurso da maioria dos alunos quanto aos planos. Talvez essa seja a garantia de que, como as sementes de araucárias que Edson decidiu plantar renderam lindas mudas daquela também saiam bons frutos.