Cidades

Conheça a teatroterapia, que utiliza o palco como divã dos consultórios

Nessa vertente, a arte é uma aliada no tratamento de pessoas em sofrimento psicológico e que buscam melhor qualidade de vida

Melissa Duarte*
postado em 28/09/2019 07:00

O espetáculo História de dois reinos, da companhia O desconhecidoEsqueça o divã, a sessão com hora marcada e o tradicional consultório de paredes brancas: aqui, a prática terapêutica é realizada em cima do palco, depois que as cortinas vermelhas se abrem ; ou na coxia, nos ensaios e nos bastidores. É a teatroterapia! Nela, artes cênicas e psicologia se unem para complementar o tratamento de pessoas com depressão, autismo, transtornos borderline, de ansiedade generalizada (TAG) e obsessivo-compulsivo (TOC), síndrome do pânico e dificuldades de interação social, dentre outros.

;Posso fazer do mundo o meu palco;, acredita o estudante de gestão pública do Centro Universitário Iesb Luan Phillipe Xavier, de 19 anos. Aos 8, foi diagnosticado com transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e distúrbio do processamento auditivo central (Depac); anos mais tarde, já adolescente, com depressão e ansiedade. As aulas de teatro no Sesc vieram como desejo pessoal e acabaram incentivadas pelo terapeuta, como parte do tratamento psicológico.

;O teatro me proporciona experiências, amizade, superação e amadurecimento;, continua ele, que faz aulas há dois anos no Sesc. Hoje, a paixão pelo palco se expandiu: virou anseio profissional. As duas graduações e o trabalho são para manter a chama acesa do sonho de ser ator e investir na carreira. Na faculdade, também é monitor das aulas teatrais. ;O teatro na minha vida é algo mágico. Procuro me expressar e ser quem eu sou sem ser julgado. Não tem barreiras, existem sentimentos e união, serve como válvula de escape;, pontua.

O teatro também foi fundamental na vida da bióloga Letícia Velasco, 26. ;Nunca fui de ter vários amigos, sempre estive longe de ser a menina popular da escola. Minha autoestima e autoconfiança eram péssimas;, relembra a servidora pública, que fez aulas dos 14 aos 16. Ela acredita que ter conhecido um novo mundo e pessoas com diferentes vivências por meio do tablado a levaram a descobrir outro lado de si, menos tímido e mais criativo.
Na Companhia Monstros, as aulas de teatro ajudam no tratamento de alunos com depressão, ansiedade e autismo

Foi assim também com a aluna de letras da Universidade de Brasília (UnB) Ana Beatriz Gomes, 21. Ela começou a fazer aulas sete anos atrás para vencer a timidez, que a levava a um estado de forte ansiedade e impedia de realizar simples tarefas, como responder uma pergunta em sala de aula, por exemplo. ;Hoje, consigo apresentar seminários sem ficar ansiosa. Fui inclusive a congressos em outros estados e não tive medo. Para quem tinha receio de apresentar numa sala de ensino médio para 20 alunos, é uma vitória muito grande;, orgulha-se.

;O mais importante é que senti que o grupo me acolheu, me fez sentir bem, deu vida e energia. Eu me senti pertencente a algo, sabe? Eu estava num momento muito difícil, provavelmente em depressão. Costumo dizer que foi o teatro que me salvou;, completa Letícia.

Parceria

Na teatroterapia, a ideia é que um integrante apoie o outro ; e que essa parceria se repita fora de cena. ;O teatro ajuda a vencer barreiras de timidez e resgata autoestima. Na nossa turma, sempre trabalhamos em grupo, o que faz com que os alunos criem laços afetivos entre si;, relata a professora de teatro Gleyce Lima, 29, da Companhia Monstros.

Com aulas realizadas no Teatro dos Bancários, o projeto reúne estudantes que sofrem de depressão, ansiedade e autismo. Para ela, a inclusão é parte primordial do trabalho. ;É só respeitar o tempo dele (do aluno autista), mas os exercícios são iguais, justamente para não ser algo que o exclua ou que ele se sinta diferente;, destaca.

É fundamental destacar, no entanto, que essa arte não substitui o tratamento convencional ; com remédios, psicoterapia e/ou internação, a depender do caso de cada paciente ;, mas agrega. ;Teatro e saúde mental podem andar juntos. As artes de maneira geral atuam muito no tratamento, como complemento de outras linguagens de expressão;, comenta a psicóloga Marcia Henning, do Centro de Atenção à Saúde Mental, conhecido como Anankê, na Asa Norte.

Montagens

No local, desde 2003, funciona a companhia O desconhecido. Aberta a todos os pacientes ; os diagnósticos mais comuns são esquizofrenia, paranóia, distúrbio de humor e depressão ;, a oficina de teatro trabalha expressões corporais e artísticas em montagens coletivas. ;Nem todo mundo que está na oficina está no palco;, ressalta, ao lembrar dos que atuam nos bastidores. ;Poder viver um drama no palco para além das angústias vividas e colocar isso para fora enquanto arte tem trazido muitos benefícios;, orgulha-se a terapeuta, que dirige os espetáculos.

Mais que proporcionar autocuidado e gerar autoconhecimento, o palco ajuda o aluno-ator a treinar de habilidades multidimensionais: empatia, expressão, voz, respiração, controle de ansiedade, medo de falar em público e muito mais. Para os pacientes internados, vai além: o tablado pode ser também uma forma de reinseri-los no ambiente e no convívio social. ;Ser visto não como alguém que dá trabalho ou que traz sofrimento, mas como um sujeito que produz arte, ou que simplesmente produz, traz um benefício enorme;, finaliza.

*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira

Onde fazer?

Companhia Monstros:
  • Teatro dos Bancários (315 Sul, Bl. A), todo sábado, das 15h às 18h. Valor mensal: R$ 220. Os interessados podem entrar em contato pelo Instagram @monstrosdf e pelo telefone 99384-9118.

O Desconhecido:
  • Clínica Anankê (712/713 Norte, Bl. C, ljs 4 e 5), toda quinta, das 10h às 11h. Os interessados podem entrar em contato pelo telefone 4063-6545. A oficina de teatro faz parte do tratamento psiquiátrico oferecido pela clínica e o valor já está incluso. A atividade não é aberta ao público, mas pacientes que receberam alta podem continuar participando.

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