Cidades

Laudo divide especialistas

Dois institutos da Polícia Civil apresentam visões diferentes sobre documento que comprovaria presença de Adriana Villella no apartamento

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 28/09/2019 04:12
Laudo foi feito por papiloscopistas do Instituto de Identificação da PCDF e contestado pelo Instituto de Criminalística


Um dos momentos mais esperados do julgamento da arquiteta Adriana Villela aconteceu ontem: o embate entre especialistas do Instituto de Identificação (II) e Instituto de Criminalística (IC), ambos da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Um dos principais argumentos da acusação é o laudo feito por papiloscopistas do II a partir de uma impressão digital da palma da mão de Adriana, colhida em 2 de setembro, cinco dias após a tragédia. A marca estava em um armário do closet, em frente ao ponto em que Maria Villela foi esfaqueada.

Um dos responsáveis pelo documento, o papiloscopista Rodrigo Menezes de Barros explicou aos jurados a metodologia usada à época. Doutor em nanociência e nanobiotecnologia pela Universidade de Brasília (UnB), ele afirmou que a acusada mentiu ao dizer ter ido ao imóvel pela última vez em 13 de agosto, 15 dias antes do assassinato. A pedido da Coordenação de Crimes Contra a Vida (Corvida), que estava à frente das investigações, o II buscou precisar se uma impressão feita na data alegada pela acusada ainda seria visível depois de duas semanas. ;Para responder, fizemos diversas análises que utilizam meios científicos difundidos na literatura internacional;, afirmou Rodrigo.

Para resolver a questão, os papiloscopistas realizaram dois experimentos em 2010, buscando reconstruir as condições relevantes na cena do crime, como umidade e temperatura. Os testes foram feitos no apartamento do casal Villela e em laboratório, num ambiente controlado. Os especialistas colheram novas impressões da ré, e compararam com aquela encontrada após o crime. As comparações foram feitas após três, nove, 15, 21 e 24 dias.


O resultado obtido desmentiria a versão de Adriana. ;Não havia compatibilidade da impressão com o período de 20 dias (tempo entre o último dia que ela diz ter ido ao apartamento e a data em que foi colhido o material). Houve com três e nove dias;, ressaltou Rodrigo. Para o Ministério Público, o laudo corrobora o depoimento do delegado Ecimar Loli, da Corvida. Segundo o delegado, Paulo Cardoso Santana, já condenado pelo crime, disse, em depoimento, que Adriana estava na cena do triplo homicídio, rindo e xingando o pai durante a execução.

Contraponto
Para rebater o papiloscopista, a defesa chamou como testemunha Juliano de Andrade Gomes, perito do Instituto de Criminalística e pós-doutor em Física e Química pela UnB. O especialista expôs uma série de argumentos contra o laudo do II. Segundo ele, o trabalho não possui sustentação técnica científica suficiente para tecer conclusões a respeito da idade do fragmento avaliado.

Juliano destacou que o experimento não passou pelo crivo científico, ou seja, não houve debate da comunidade acadêmica antes da aplicação em um caso real. Ele também refutou a ideia de réplica das condições climáticas do dia dos homicídios. ;O mundo real não tem condições controladas;, declarou. Além das variações de umidade e temperatura ao longo do dia, o perito questionou outros fatores, como uso de cosméticos por Adriana ou até mesmo a limpeza do armário, que poderiam interferir na digital. ;Será que a força aplicada na deposição (processo feito pelo papiloscopista para coleta da impressão) não influenciaria? O tempo de contato, troca de suor com a madeira influenciariam? As condições do suporte refletem a realidade?;, ponderou.

Por fim, ele destacou que o laudo ignora a margem de erro. Segundo ele, assim como em pesquisas eleitorais, os experimentos têm percentuais para mais e para menos. Os papiloscopistas teriam considerado apenas os valores para mais. Diante disso, ele e outros três peritos produziram um artigo em 2012, refutando os resultados do II, uma vez que, diante da correção feita na margem de erro, a digital ainda seria visível até 24 dias após ser produzida, ou seja, dentro do prazo alegado pela filha do casal assassinado. ;Há vários erros conceituais, e o resultado não vai a lugar nenhum;, acusou.

Debate
Para a defesa, o relatório defendido pelo Ministério Público teria sido encomendado. ;O laudo traz uma margem de falibilidade. E se Adriana tivesse comido uma coxinha ou utilizado um creme naquele dia 13 de agosto? A impressão da mão teria elementos químicos que poderiam fazer a marca ficar mais tempo no móvel do que o indicado no laudo;, diz Marcelo Tubay, advogado da arquiteta.

Já a acusação afirma que as visões distintas dos institutos mostram a briga intensa que existe na instituição e que o relatório feito em 2012 pela equipe do perito Juliano é irregular. ;Trouxeram para o processo uma disputa de carreiras, que não é aqui que tem que acontecer. Jamais permitiria que alguém do II contrariasse laudos do IC. A polícia tem que ser única e precisam resolver esse problema de forma rápida, através do regulamento;, defendeu. De acordo com ele, não existe na cidade situações de ;contra-laudo;. ;São questões que podem levar os jurados a ficarem confusos. Mas acreditamos que durante a nossa explanação, vamos conseguir esclarecer essas dúvidas;, concluiu.

O julgamento entra hoje no sexto dia, após mais de 50 horas. A princípio previsto para ser encerrado ontem, precisou ser estendido para que todas as testemunhas sejam ouvidas. Hoje, são esperadas nove depoimentos de pessoas escolhidas pela defesa, mas é possível que algumas sejam dispensadas. Apenas após essa etapa terá início o interrogatório da ré, acusada de ser a mandante do assassinato dos próprios pais, o ex-ministro do TSE José Guilherme Villela e a advogada Maria Villela, além da empregada da família, Francisca Nascimento Silva. O crime aconteceu em agosto de 2009 no apartamento do casal, na 113 Sul.

Saiba mais

Perícia
As provas citadas ontem foram emitidas pela Polícia Civil, mas por diferentes ramificações do Departamento de Polícia Técnica (DPT): o Instituto de Criminalística e o Instituto de Identificação. O documento do II é um laudo pericial, enquanto o exame do IC é um parecer técnico. Entenda as atribuições de cada setor:

Instituto de Criminalística (IC)
O Instituto de Criminalística é responsável pelo exame da materialidade do delito. Produz provas materiais a partir de vestígios encontrados no local de crime, por meio de técnicas científicas. Busca informações a partir de vestígios, que tipifiquem os crimes e indiquem características qualificadoras, bem como determinem sua autoria.

Instituto de Identificação (II)
O Instituto de Identificação utiliza a metodologia científica para fins de identificação humana e determinação de autoria em infrações penais. Dentre suas atribuições, destacam-se as identificações civis e criminais, as perícias papiloscópicas e necropapiloscópicas em locais de crime e laboratório, bem como as perícias de representação facial humana e prosopográfica.

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