Cidades

Histórias de esperança

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 29/09/2019 04:16
No Distrito Federal, o número de internos chega a 16.688, distribuídos em seis penitenciárias

Sem fazer julgamento pelos motivos que levaram à prisão dos parentes, a reportagem do Correio conta histórias de vida de mulheres que enfrentam obstáculos, abrem mão da vida social, do lazer e se dedicam totalmente ao filho, esposo ou irmão presidiário. O que as motiva? O amor e a esperança de, um dia, ver o familiar voltar para casa. Todos os nomes utilizados são fictícios. O motivo é o medo de represálias, contra elas e contra os filhos.

Luta contra as drogas
Há cinco anos, Daniela, 33 anos, iniciou uma caminhada árdua e difícil. A vida dela deu uma baita reviravolta. Quando tinha 22 anos, ela se casou com um policial federal. Os dois desfrutavam uma vida boa, moravam no Sudoeste, e a renda do casal chegava a quase R$ 15 mil mensais. A mãe é psicopedagoga, e o pai, procurador de Justiça. A união estável foi motivo de orgulho para a família.

Na mesma época, ingressou na universidade e cursava direito. Ela chegou a trabalhar como conselheira da Vara de Execuções Penais (VEP). Quando estava na faculdade, conheceu as drogas. Depois da cocaína, se entregou ao crack. ;Cheguei a ficar em estado de rua. Em vários momentos presenciei a morte. Estava no fundo do poço;, conta. O divórcio veio cinco anos depois. O ex-marido não admitia o estado de dependência química da mulher.

Morando na rua e lutando pela sobrevivência, Daniela largou a faculdade e optou buscar por ajuda, quando conheceu Carlos, 42, em 2016. ;Eu sempre o via andando pela Rodoviária do Plano Piloto vendendo água. Certo dia, um amigo meu morreu, e fui pedir socorro para o Carlos. Ele dizia: ;Menina, como vai viver? Não sabe acender uma fogueira na rua;. Ele ria, mas era um riso carregado de preocupação; por isso, fazia de tudo para não me deixar só;, relata.

Os dois começaram a namorar e decidiram recomeçar a vida juntos. ;Quando casei no papel, foi a última vez que meu pai me ligou. me tratando como filha. Todos me abandonaram, meus irmãos, exceto a minha mãe, que sempre esteve comigo;, diz Daniela.

Tráfico
Em meio a isso, a mulher enfrentava o duro tratamento contra o crack. Ela tinha decidido que queria se livrar das drogas. Mesmo assim, não estava sendo fácil. O medo dela era de o companheiro voltar para a cadeia: ele tinha sete processos criminais e condenações por furto qualificado. ;Estava difícil de manter a casa. Fazíamos kits de doces e vendíamos em uma escola onde ele cumpria a medida alternativa, trabalhando na limpeza. Um dia, acabou o gás, e ele optou por vender droga, quando a polícia o flagrou e o levou preso. Meu chão caiu, porque o que eu mais temia aconteceu;, comenta.

Carlos foi autuado por tráfico de drogas e recebeu condenação de oito anos e seis meses. Daniela não tinha noção do que era o presídio, mas de uma coisa tinha certeza: não podia abandonar o amor de sua vida.

De lá para cá, a rotina da moça mudou completamente. Desempregada, ela conta sobre as dificuldades em arrumar um emprego por ser familiar de detento. ;Quando falo de minha situação, me mandam embora. Ninguém aceita;, lamenta. A renda vem, principalmente, das faxinas que faz. Por mês, ela tira, em média R$ 900, tendo que descontar os R$ 450 do aluguel em Taguatinga, e sustentar o filho de 18 anos (de uma relação antiga), e as duas filhas de Carlos, gêmeas de 20 anos.

Sonho
A cada 15 dias, às quintas-feiras, o destino é a Penitenciária do Distrito Federal II (PDF), onde está o marido. No dia de visita, a rotina começa cedo. Às 6h ela está posta, com as roupas brancas, esperando o Uber. O motorista é um conhecido, que fez uma promoção de R$ 30 para levar e buscar no presídio. ;Todas as vezes que vou visitá-lo parece a primeira vez. O cárcere faz com que nós, mulheres de homens presos, vivamos uma solidão inimaginável. Há uma sensação tenebrosa de não pertencer;, argumenta.

O sonho de Daniela é ver o marido em liberdade. ;O meu maior medo é ele não ter tempo de conhecer nossa casa. Ele tem uma doença no olho, que afeta a visão. Mas continuo com esperança e muita fé. Quando ele sair, vou fazer questão de ajudá-lo para terminar os estudos. Será uma forma de retribuí-lo por ter me ajudado a sair das drogas;, afirma. (DA)


Quatro perguntas para

Érito Pereira da Cunha, delegado e coordenador-geral da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe)

Como o senhor avalia as visitas feitas por familiares no sistema carcerário?
As visitas ocorrem dentro do que é previsto na Lei de Execução Penal (LEP).

Muitos parentes visitantes reclamam sobre serem humilhados por agentes penitenciários nas visitas. Como explicar isso?
A Sesipe atua com respeito às leis vigentes e com respeito à dignidade da pessoa humana, não permitindo qualquer desrespeito ao interno, familiar ou servidor.

Existe algum trabalho promovido dentro das penitenciárias para humanizar o atendimento aos visitantes?
Todos os servidores são orientados a respeitar as leis vigentes.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 16.688 mil presos no DF, mas a capacidade é de 7.398. Como podemos explicar isso? Onde está o problema?
O problema da superlotação é nacional, e não só do Distrito Federal. Creio que (a solução) está na educação e na melhoria de perspectiva de vida dos brasileiros. Todos querem uma oportunidade de ter uma vida digna.





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