Cidades

Crônica da Cidade

postado em 30/09/2019 04:12
A Chapada do nosso interior

Em minha última ida à Chapada dos Veadeiros, destino tão caro aos brasilienses, encontrei uma estrada e um cenário muito diferentes. Anos tinham se passado desde que eu estivera na região, claro. Uns oito ou nove. As coisas mudam, e essa é uma das poucas certezas da vida. E mudar é bom ou, no mínimo, inevitável. Mas nossas cachoeiras, nossas mesmo, até de quem nunca foi, até de quem não gosta, até de quem mora em outro país e nunca ouviu falar nesse segredo, continuam deliciosas. Geladas, cor de Coca-Cola, prontas para um bom mergulho.

Com tantas mudanças, as trilhas também continuam de tirar o fôlego. Às vezes, literalmente. O cerrado, que é tão diverso e único, as paisagens que tanto nos transportam para fora quanto para dentro, aquele contato com a natureza que renova até o mais urbano dos corações... Nada como uma boa viagem de fim de semana para recarregar as baterias. Mudou muito o município de Alto Paraíso (GO). A cidade cresceu. Tem mais estrutura, mais opções de bares e restaurantes. Depois de um dia de caminhadas e mergulhos, tínhamos muito mais opções para descansar, conversar e comer antes de cair na cama ansiando pelo dia seguinte.

Mudou muito, também, o caminho. Muito mais fazendas, muito mais plantações e bem menos mata, cerrado virgem e paisagem. Menos árvores, menos pássaros. Para alguém que ficou tantos anos sem visitar a Chapada e, finalmente, tirou um fim de semana para se reconectar com a natureza, foi um chacoalhão. Onde eu estava quando o bioma perdia lugar para a economia? O trajeto ficou um pouco mais silencioso. Foi impossível não pensar na Greta Thunberg, sentada de fora do parlamento sueco, sozinha, com um cartaz ao lado, exigindo uma atitude dos mais velhos contra a catástrofe climática global. A gente esqueceu, há muito tempo, o que realmente importa.

Na manhã de domingo, 28 de setembro, um incêndio que consome a região havia destruído uma área equivalente a mais de 3 mil campos de futebol dentro do Parque Nacional, e outros 3,5 mil nos arredores. Entre as áreas atingidas está o Sertão Zen, um dos lugares mais belos que visitei na vida. O governo de Goiás acionou a Delegacia Estadual do Meio Ambiente para investigar as causas das queimadas. No cerrado, o incêndio pode começar por causas naturais, que provocam a germinação de sementes de variados tipos de plantas, por exemplo. Mas, bem mais que esses incidentes naturais, as queimadas para a promoção da agropecuária se tornaram uma constante.

A Chapada continua linda. Mas pode acabar. Voltei para casa dirigindo leve, sem pressa. Pensando nas risadas com os amigos, no tempo de qualidade com minha companheira e na saudade dos mergulhos e das caminhadas para o interior que já apertavam no peito. Fiquei um tempo ausente, é verdade, mas como muitos outros brasilienses, existe uma história com aquele chão, com aquelas árvores, com aquele universo tão cheio de vida que a gente precisa proteger.

Greta discursou na abertura da cúpula do clima na Organização das Nações Unidas no último dia 23. Nunca tive um quinto dessa fibra. ;Se algumas crianças conseguem manchetes no mundo todo só por faltarem à escola, imagine o que poderíamos fazer unidos, se quiséssemos? Mas para agir, precisamos ser claros, mesmo que seja desconfortável. Vocês ficam falando sobre um crescimento econômico sustentável e eterno por terem medo de serem impopulares. Falam em seguir em frente com as ideias ruins que nos trouxeram até aqui. Mesmo sabendo que o mais sensato é puxar o freio de mão. Vocês não têm maturidade nem para assumir a realidade como ela é. (...) Dizem que amam suas crianças acima de tudo, mas nos roubam nossos futuros bem diante de nossos olhos.; Que bronca, Greta! Que bronca.





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